1.
Há trajetos que podem ser percorridos tanto a
pé quanto dentro de um ônibus, mas quando se tem compromisso pela manhã, uma
locomoção motorizada ajuda – qualquer minuto economizado vale por dois. Sete da
manhã, a cidade ainda acordando, eu esperava um ônibus no ponto, na Avenida Presidente
Kennedy, a pé iria demorar mais para chegar ao terminal. Embarco em um verde,
passo pela catraca, fiquei olhando as ruas, que passavam rapidamente diante de
meus olhos, sem que eu pudesse me ater a detalhes.
As miudezas escaparam, mas algo que vi em um
cruzamento entre uma rua marginal e a avenida pela qual o ônibus faz seu
trajeto não. Um carro preto, perto de uma esquina onde fica uma loja de
sapatos, estava com o farol direito quebrado, o capô levemente amassado;
próximo a ele, um carro amarelo, faróis traseiros destruídos, foi o que pude
notar, além de um tapete formado por cacos de vidro, visto por dois sujeitos,
parados em uma divisória entre as faixas da via rápida, aparentemente os donos
dos veículos. Antes que pudesse olhar com mais atenção para esta cena, o ônibus
continuou seu caminho. Bom dia, Curitiba.
2.
Entrei em um biarticulado, meio de transporte
típico daqui de Curitiba. Plenas sete e dez da manhã, os ônibus parecem latas
de sardinhas humanas sobre rodas. As portas se fecharam após minha entrada, andei
dois passos a frente, continuei esmagado, se a porta atrás de mim fosse aberta seria
despejado. Mas demoraria bons 30 minutos para acontecer, podia aproveitar o
trajeto confortavelmente apertado.
Eu estava com um livro em mãos, além de uma
mochila pendurada no ombro direito, esta suspensa a minha frente, aquele
fechado enquanto eu procurava um microscópico espaço. Prosseguia na leitura, a
mão direita segurando o volume de crônicas, o braço esquerdo servindo de apoio
em barras de suporte. Enquanto lia, notei que alguém me olhava.
Silenciosa, mas nitidamente, um bebê com o
rosto posicionado para a frente do ônibus me observava. Repousava no colo de
uma mulher jovem, de cabelos lisos castanhos, usando óculos de armação marrom,
os olhos quase na mesma tonalidade do cabelo; o castanho dos olhos do bebê mais
escuro que o da moça, um penteado improvisado com os poucos fios claros na
cabeça. Ele estava empacotado em uma espécie de manta branca, apenas a gola de
uma roupa de soft visível, ela usava um traje acastanhado.
Olhei nos olhos do bebê. E ele nos meus. Os
olhos dele iam para todas as direções, desde as janelas as pessoas em volta.
Será que a capa do livro que eu lia o agradou? Ele pareceu observá-la, não sei
se a multidão vista da metade do corpo para baixo cruzando uma faixa de
pedestres debaixo de um céu preto era do gosto dele. O olhei de novo. E ele a
mim, uma leve piscada de olhos. Retribuí. A moça que o segurava o muda de
posição, seu rosto ficou virado para as janelas, mantendo a feição de
explorador visual. Bom dia, Curitiba.
3.
O ônibus no qual eu estava chegara ao ponto
em que desembarco. Finalmente, livre para andar com as próprias pernas, sem
precisar competir por espaço. Segui pela avenida sete de setembro, ainda tinha
quadras a percorrer até chegar ao destino. Clima frio, ainda restava um pouco
de neblina, que cobria o topo de alguns prédios no bloco a minha frente, apesar
de um sol que parecia acordar preguiçosamente. Gente agasalhada nas calçadas, empacotados
debaixo de jaquetas e sobretudos.
Exceto um. Pela canaleta exclusiva do ônibus,
em sentido oposto ao qual eu andava, um senhor corria de bermudas e tênis,
segurando uma blusa ou camiseta amassada em uma das mãos. A cidade ainda por
despertar, uma maioria tremendo de frio, e alguém correndo como se fosse pleno
verão? Notei que indivíduos próximos a mim olharam o homem, talvez querendo ter
certeza de que viram o disposto atleta – ou imaginando de que lugar teria saído
tal louco. Bom dia, Curitiba.