quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Além da Convivência – Daniel Galera na Flim 2013

A última palestra da Flim, Festa Literária do Medianeira, foi na noite de sexta-feira, 25 de outubro de 2013. Perante um público misto, em comparação ao de bate-papos nos quais estudantes de sextos e sétimos anos compunham parte dos ouvintes, Caetano Galindo indaga ao convidado como acontece o processo de escrita, comumente associado a solidão.

A escrita é uma forma de expressão além da oralidade e da convivência, responde Daniel Galera, e enxerga uma tendência introspectiva em si mesmo, longe de ser antissocial, mas por ‘necessitar’ de tempo para dedicar-se a escrita. Antes de tornar-se ficcionista, tentou pintura, música, mas não obteve resultado, e encontrou-se na escrita, atividade que transcende a solidão, ele diz – apesar de nunca ter idealizado o ofício ou se imaginado escritor.

Caetano Galindo, o mediador, fala da acolhida de Barba Ensopada de Sangue, premiado em terceiro lugar no Jabuti 2013 na categoria romance,  e indaga Daniel Galera como é a ‘transição’ entre eremita e figura pública. Durante a divulgação de Cachalote, projeto em parceria com Rafael Coutinho, Galera teve contato com o fiel público das Histórias em Quadrinhos, até então novo para si, e foram muitos convites Brasil afora para ir a feiras de HQs. No caso do circuito literário, ele conta ser possível viver disso, de ir a todo evento em que se é chamado, tanto mediando encontros entre público e autor ou sendo convidado; em especial nos eventos cujos temas de debate são as obras dos autores, aumentando a chamada demanda por eles, como diz Galera, algo que todo autor contemporâneo deve lidar nessa euforia ‘incomum’ de eventos literários.


E como é a pressão de um livro não escrito, há uma angústia para escrever? Pergunta Galindo. Daniel responde mencionando o que David Foster Wallace chamou de criança defeituosa – pior é quando ela (o livro) não existe, o processo de escrita é considerado pelo autor melhor do que o de promoção do livro, e também o motiva a não querer sair de casa, buscando a solidão essencial para a atividade.

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Retratando Marcas – Daniel Zanella e André Tezza na Flim 2013

A literatura absorve e organiza conflitos, fala Rosana Machado, mediadora de um debate entre André Tezza e Daniel Zanella, no quinto dia da Flim 2013 – Festa Literária do Medianeira. Mas que marcas são essas? , ela indaga.

Professor de Literatura na Vila Verde para adolescentes de 13-14 anos, Daniel Zanella busca inserir temas do cotidiano dos estudantes no universo literário, mapeando o que eles consideram cultura, de forma a integrá-los na leitura. Tarefa longe de ser fácil, comenta ele, pois os alunos encaminhados ao programa vêm de ambientes onde não há incentivo a prática da leitura e, em geral, marcados por violência.

A publicidade é efêmera e no dia seguinte ninguém se lembra do jingle ouvido, argumenta André Tezza, professor desta face da comunicação. Apesar desta suposta brevidade, os trabalhos do ramo expõem marcas de nossa época, no intuito de deixar visível o que não é, por vezes emprestando recursos humorísticos, cada vez mais frequentes, comenta André.

Rosana Machado lê um trecho de Dia do Degelo, crônica de Daniel Zanella, e indaga-o se nesta forma de escrita o autor é personagem. Há alguma dificuldade em separar tanto autor de personagem como o real do inventado, ele responde, devido ao impacto do texto nas pessoas próximas. Quase como nos tempos de colégio, nos quais Zanella escrevia cartas para as meninas de que gostava e apanhou do irmão de algumas; após tornar-se cronista, ao escrever sobre gente de convívio frequente e mostrar os textos, teve quem não gostou de ser ler retratado.


Respondendo a mediadora sobre a relação que estabelece com personagens e contos, André Tezza diz que depende do livro, durante a leitura ele descobre se o personagem tem a ver consigo.  Pode existir algum distanciamento ao ler a história, mas nem sempre durante a escrita, pois há indivíduos representados nas próprios personagens. 

Solidão Povoada – Paulo Venturelli na FLIM 2013

Na tarde de sexta-feira, 25 de outubro de 2013, a FLIM, Festa Literária do Medianeira, foi palco de um bate-papo com o escritor Paulo Venturelli. A mediadora desta sessão foi a também professora Ana Tezza, que indagou ao convidado como ocorre a relação entre literatura e vida, considerando leitura e escrita atos solitários.

É uma solidão povoada por todos que admiramos, de amigos antigos a novos, responde o professor. Mesmo sozinho, se tem em mente leitores a serem contagiados pela história narrada no livro, cujo sentido vem deles. Seu livro Anjo Rouco pode ser qualquer coisa, depende da leitura de cada um, ele afirma, ato dependente da interpretação feita a partir das entrelinhas do texto, dividindo a autoria deste com quem lê; afinal, um bom livro é aquele que deixa mais dúvidas do que certezas, afirma Venturelli, para quem a literatura é uma arte provocativa.

Ana Tezza pergunta-o como foi a trajetória até ele se tornar escritor. Ele conta que quando estava aproximadamente na idade do público – grande maioria composta por turmas do sexto ano, de 12-13 anos –, ouviu de seus professores que quem quisesse ser inteligente deveria ler. Em retrospectiva, Venturelli conta que era tímido, falava pouco com os colegas de classe; mas após ter começado a ler, passou a escrever melhor, e os professores começaram a notar e elogia-lo na frente da turma, e no recreio eram os alunos que iam pergunta-lo como que ele conseguia escrever tão bem, e pediam-no dicas disso. Gradativamente, de aluno que copiava trechos dos livros passou a escritor, e posteriormente a estudante na Faculdade de Letras.

Findadas as perguntas da professora Tezza, o microfone foi passado para os alunos. Segurando cadernos de aula com anotações, o primeiro estudante indagou como a história do livro Anjo Rouco pode ajudar no entendimento do mundo. Venturelli diz que não sabe exatamente, mas há uma possível compreensão do diferente na humanização do animal estranho que é o protagonista e nome do livro em questão, como se víssemos o outro do outro.


Quando começa uma história, já sabe o final dela? – questiona outro estudante. As vezes sim, responde o escritor, mas há livros sem final definido; em resposta a outra pergunta, escreve mais de um livro simultaneamente, tendo ideias para um próximo antes que a obra na qual trabalhe esteja finalizada. 

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Análise Desacelerada – Caetano Galindo e Benito Rodriguez na FLIM 2013

Quinta-feira, 24 de outubro de 2013, quarto dia da FLIM, Festa Literária do Medianeira. Iniciando a bate-papo da tarde, o mediador Gustavo Pinheiro comenta sobre a cultura oral do Brasil, em especial a do nordeste, e sua possível associação noutras expressões. As riquezas da oralidade nem sempre estão longe do mundo da escrita, argumenta Benito Rodriguez, depende de como essa linguagem é usada, ele exemplifica que a poesia absorveu alguns elementos da palavra falada.

Uma cultura falada que não é abafada por letramento, de acordo com Caetano Galindo, outro convidado desta sessão. Inclusive, uma provê ferramentas a outra, e ele diz não ver relação entre presença da cultura oral e baixo letramento em determinadas regiões do país; e ressalta que não se deve demonizar uma expressão em detrimento de outra.

E quanto aos discursos do homem sobre si mesmo, além da leitura nos cursos específicos de humanas?,  questiona Gustavo Pinheiro. O texto considerado acadêmico é associado a obrigações, sendo renegado a segundo plano, mas os leitores de ficção são muitos , afirma Caetano Galindo. Ele considera a literatura um estudo do ser humano, como se fossemos forçados a enxergar a espécie doutras formas durante a leitura; pois qualquer universo profissional é limitador, caso seja o único direcionamento de um indivíduo – por isso Galindo diz que as pessoas mais interessantes que conhece são aquelas que vão além de suas profissões. A isso, Benito Rodriguez acrescenta o poder da literatura em proporcionar se por na perspectiva de outro, ainda que por breves instantes.

O mediador indaga sobre os novos espaços do texto, com a transição entre publicações impressas e virtuais. Houve uma mudança no modo de se relacionar com a leitura, afirma Benito Rodriguez, mas ele não vê problemas nos novos suportes. Não se trata de ver toda novidade como algo rápido e necessariamente melhor, como se todas as ferramentas anteriores devessem ser descartadas, mas o texto literário solicita tempo e concentração especiais, algo chamado por Benito de desaceleração. Uma vantagem, ele diz, que nos permite estabelecer um contraponto ao mundo excessivamente acelerado.


Antigamente, ao encomendar um livro importado, a entrega demorava semanas, mas hoje 15 segundos após baixar um e-book por Ipads ou celulares a leitura pode começar, conta Caetano Galindo, embora isso não signifique sossego para o ato – ele exemplifica que mensagens de celular não deixam ninguém em paz para tanto. Quanto a desaceleração mencionada por Rodriguez, ele compara a leitura a uma atividade subversiva e até cruel em relação ao que a sociedade espera, como se o ato demandasse uma quantia de tempo que esta preferisse empregar em mero entretenimento. Basicamente, cavar um buraco para ler sem pressa.

domingo, 27 de outubro de 2013

Entre desenhos e conceitos – Ademir Paixão e Pryscilla Vieira na Flim 2013

Manhã de quinta-feira, 24 de outubro de 2013. Após um bate-papo entre os jornalistas José Carlos Fernandes e Mariana Sanchez, o salão nobre do Colégio Medianeira foi palco para uma conversa entre dois profissionais desenhistas, no quarto dia da Flim, Festa Literária do Medianeira.

Ana Paula Luz, professora do colégio e mediadora desta sessão, pergunta aos convidados como começou a paixão pela atividade. O primeiro convite para aplicar seus traços profissionalmente foi em 1997, mas desde criança desenhava, conta Pryscilla Vieira, que trocava desenhos por lanches nos recreios. Quanto a Ademir Paixão, chargista da Gazeta do Povo há 27 anos, desenhava em Japira, cidade interiorana do Paraná onde morou enquanto menor,  gravuras encomendadas para fazendas e uma via crucis pintada em parede de igreja entre seus trabalhos iniciais.

A mediadora questiona quais as diferenças entre tiras, charges e demais formatos, ao que Paixão responde que a charge tem vida própria, vinculada ao noticiário, retratando algum aspecto deste, frequentemente com ironia e humor. Pryscilla comenta que a tirinha tem um tom mais leve e atemporal, sem ligação com o cotidiano.

Ana Paula Luz conta que encontrou desenhos atrás das provas dos alunos, apesar de atualmente os celulares e Ipads servirem como prancheta, e pergunta para os convidados como é a rotina de desenho deles. Vieira rascunha bastante no Ipad, e conta ter notado o que considera analfabetismo visual, por se lerem cada vez menos as imagens e nem sempre se interpretarem as reais intenções do desenhista com sua obra. Paixão compara desenhar a cozinhar, a evolução vem com a prática, e comenta sobre a presença do design em tudo, desde charges a uma singela cadeira – houve um processo de desenho nela.

É possível viver desenhando, em um sentido profissional? , pergunta Ana Luz. Rica a pessoa não se tornará, responde Ademir Paixão, mas isso depende do quanto se quer ganhar. Há uma porção de investimentos e pesquisas a serem feitos, permitindo não apenas o aprimoramento do traço mas também a criação de um estilo próprio – mas leva tempo. Pryscilla complementa, conta de uma visita que fez ao prédio de Maurício de Sousa, considerado um Walt Disney brasileiro, tamanho se tornou o império, nas palavras dela, construído por ele ao longo dos anos.

Vieira conta de sua personagem Ameli, uma boneca inflável com dois defeitos de fábrica: ela pensa e fala. Esta cria nasceu de uma vazão sentimental da desenhista, próximo ao natal de 2005, mas após divulgação cresceu e passou a ter espaços próprios, e a boneca antes comprada por um preço ‘módico’ tornou-se trabalho conhecido de Vieira, por meio do qual se põe contra a objetificação da mulher.


Questionado por Ana Luz, Ademir Paixão utiliza conceitos e preconceitos incutidos na sociedade ao desenhar, a exemplo de sátiras com a classe política, pois há uma noção amplamente difundida de desonestidade desta, ao contrário da política praticada 2500 anos antes, Paixão conta, onde o pertencente a esta categoria era quem ajudava a comunidade. 

sábado, 26 de outubro de 2013

Cinemas e Calçadas – Mariana Sanchez e José Carlos Fernandes na FLIM 2013

Manhã de quinta-feira, 24 de outubro de 2013. No quarto dia da Flim, Festa Literária do Medianeira, o salão nobre deste Colégio abrigou uma conversa entre dois narradores da capital paranaense, os jornalistas José Carlos Fernandes e Mariana Sanchez. Letícia Magalhães, mediadora desta sessão, menciona a escritora curitibana Teresa Urban, que preferia ser chamada de jornalista, pois embora autora de livros cujo conteúdo esbarrou na ficção, considerava-se mais jornalista do que propriamente escritora; e comenta também sobe a palestra da noite anterior, em que a igualmente jornalista Eliane Brum afirmou que há realidades que só a ficção suporta.

No cinema a fronteira entre ficção e documentário tornou-se difusa, diz Mariana Sanchez, e na literatura há um movimento semelhante. Narrar é da natureza humana, ninguém chega em casa ou em uma roda de amigos sem ter o que contar. Especificamente sobre a literatura, Sanchez comenta sobre o suposto ‘não servir para nada’ em torno dela, um raciocínio em torno da literatura por sua aparente falta de utilidade prática – um não servir para nada que é fundamental, de acordo com a jornalista, afirmando que a literatura amplia o mundo para a subjetividade. É entrar em contato com uma experiência alheia, confronto com as visões de outros, diz.

Maior especialista de determinado assunto por uma hora, eis o jornalista, descreve José Carlos Fernandes. O contato com a realidade vicia, ele conta, é como se estivesse sempre em busca da próxima história a ser contada; uma realidade mais fascinante que a ficção, pois ninguém imagina que um determinado fato tenha acontecido. Fernandes menciona a história de uma mulher que ele conheceu em uma favela, cuja prole é formada por 24 filhos. Em contato com profissionais da área médica, Fernandes não teve notícia de que 24 gravidezes fossem impossíveis, mas essa história que não consta na literatura médica existe. Mencionando as personagens. Afirma que lemos para encontrar pessoas em profundidade, cujas camadas são descobertas durante este processo – algo que vale também na ficção, menciona Capitu e Anna Karienina, de quem se descobre as razões de adultério ao ler suas histórias (acreditando na hipótese de Capitu ter traído Bentinho, este merecendo, se explica Fernandes).

Letícia Magalhães pergunta a Mariana Sanchez sobre o cinema brasileiro, muitas vezes julgado desinteressante pelo público, parte disso pela temática favela/pobreza. Há extremos, responde Sanchez, pois alguns diretores vêm de classes econômicas abastadas, e um oposto extremo é essa parcela da realidade retratada nas telas, ainda que de maneira exótica. Mariana faz uma breve comparação entre os cinemas brasileiros e argentinos, não em termos de conteúdo, mas de cultura – os ‘hermanos’ possuem certa tradição de ir ao cinema para assistir a produção nacional, algo que nosso Brasil perdeu um pouco.

Curitiba tem exemplo disso, pois houve uma redução no número de cinemas de rua, e mesmo com salas dentro de shoppings o público não é o mesmo, numérica e culturalmente. Devemos procurar o que gostamos neste universo infinito do cinema, afirma Mariana, lembrando que festivais dedicados a sétima arte tornaram-se mais comuns e acessíveis, por vezes sem cobrança de ingresso.

José Carlos Fernandes menciona uma frase de Steve Backes, que afirmou que nós sabemos mais sobre o imaginário norte-americano do que sobre o brasileiro, algo que se deu, em parte, por não ter existido uma construção do cinema daqui. Além disso, não é apenas a experiência da sala escura ou quaisquer possíveis rituais em torno do cinema, mas as narrações por meio das imagens amplificadas possibilitam uma compreensão de como nós somos, algo em andamento, ele conta.  


Quanto a coluna que mantém na Gazeta do Povo, na qual Curitiba é narrada por pessoas cujas palavras não seriam amplificadas por manchetes, sua origem veio, em parte, de um dado de uma pesquisa do jornal, apontando afastamento de leitores por conta de notícias sobre violência. Fernandes cita Susan Sontag – é impossível nos sentirmos insensíveis perante o mundo, mas pode existir um sentimento de impotência frente a sua face violenta. Há gente interessante em todos os lugares, afirma José Carlos, convicto de que todo mundo tem uma história para contar; e ao ouvir e contar as narrações de Curitiba por seus habitantes mapeia-se afetiva e simbolicamente a cidade, para motivar pessoas a voltarem para ruas e calçadas, pois, afirma, é nelas que a vida acontece. 

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Decifrando Pessoas – Eliane Brum na FLIM 2013

A arte de perder não é um mistério - assim escreveu Elizabeth Bishop em um de seus poemas, recitado por José Carlos Fernandes na abertura palestra de quarta-feira, 23 de outubro de 2013, no terceiro dia da FLIM – Festa Literária do Medianeira. Perante uma tenda lotada por um público misto de professores, jornalistas, alunos do Colégio Medianeira, estudantes de jornalismo – classe profissional a qual tanto Fernandes quanto a convidada pertencem – e outros visitantes, a escutadeira, como Elaine Brum se define, conta uma história na qual responde ao mediador porque saiu da Revista Época.

Em 2008, Brum conta, ela começou a trabalhar com a morte. Durante uma reportagem, acompanhou os últimos 115 dias de uma mulher, de nome Ilse, cujo falecimento se deu por um câncer. Durante estes dias, falava com Ilse diariamente, por telefone ou face a face, e em meio a uma dessas conversas ouviu dela que ‘quando tinha tempo, descobri que meu tempo tinha acabado’. A partir deste trabalho em particular, Brum passou a se dedicar no que considera reapropriação do tempo, uma construção constante, pois como ela ouviu de um de seus professores, tempo não é dinheiro, e sim o tecido das nossas vidas.

Em meio a esta reapropriação do próprio tempo, em 2010 Eliane Brum deixa o emprego na redação da Época, mantendo apenas sua coluna no site da revista, um espaço utilizado por ela até setembro de 2013, quando se desapropriou deste espaço virtual. Uma segunda parte deste processo foi criar uma segunda voz na ficção, especificamente o romance Uma Duas, lançado em 2011. Eliane conta que foi questionada diversas vezes por colegas de profissão ‘qual é o seu rumo agora?’, ao que ela responde que está em desrumo, uma necessidade de se desinventar para se reinventar.

José Carlos Fernandes retoma, conta alguns acontecimentos da Eliane Brum, que ficou surpresa pela pesquisa do mediador – um livro aos 11 anos, maternidade aos 15, a escrita do livro Vida que Ninguém Vê, e indaga-a qual foi a grande ‘dobra’ de sua vida. Todas e mais algumas, ela responde, contando que não estaria viva se não conseguisse transformar dor em palavra escrita, algo que fez no Gotas da Infância. O livro – muito ruim, diz Brum - era uma coleção de pedaços de papel nos quais Eliane escreveu sobre essa nomeada dor de existir, sentida durante sua infância, deixados pela casa como pistas para que a família a decifrasse; mas o pai não somente os guardou como os transformou no mencionado livro, um retrato de sua infância, lugar de difícil vivência para algumas crianças, de acordo com ela.

O mediador retoma e menciona uma pergunta feita pelo jornalista Gilberto Dilmenstein a várias personalidades, que é feita a palestrante – a quem você deve ser quem você é? A muita gente, responde Eliane Brum, e brincando diz ser igual ao pai - conta uma história iniciada anos antes do momento atual para responder algo.  Mas conta de outra pessoa a quem deve seu desenvolvimento, uma que ela não pôde conhecer.

No século XIX, o estanceiro Sabino Andrade Neves, de abastada família do Rio Grande do Sul, apaixonou-se por uma escrava. Enamorados, tiveram uma filha, e Sabino assumiu tanto mãe como criança. A mãe faleceu após o nascimento desta, e o estanceiro teve de cria-la sozinho, pois fora deserdado pela família. Sabino tinha estudo o suficiente para lecionar, uma profissão que sua filha, batizada Luzia, herdou, e pai e filha peregrinaram pelos interiores do Rio Grande do Sul vivendo como professores. Entre os alunos de Luzia, estava o pai de Eliane Brum, que foi a primeira pessoa da família a aprender a ler. Enquanto morava em Ijuí, cidade natal, Brum foi levada pelo pai ao túmulo da professora Luzia, responsável não apenas por ensinar a leitura, mas por tirá-los de uma cegueira das letras, considerando a leitura um ato de enxergar o mundo.

Visão composta por uma delicadeza aprendida em família, aspecto habitante do mundo. Brum conta que criou sentido ao decifrar como cada um dá sentido a própria vida, muitas vezes como poucos recursos. Toda história é grande para a escutadeira, como se intitula, ‘buscadeira’ de sentidos próprios nos olhares alheios.

Sentidos que vem de desacontecimentos, responde Eliane a José Carlos Fernandes. Ela considera o jornalismo como documento da história cotidiana, retratada em muitas de suas crônicas, cujas pessoas entrevistadas estão longe de padrões de manchetes de jornal. Afirma que nenhuma vida se torna banal quando se reconhece a grandeza alheia, no que chama a extraordinária vida comum.


No jornalismo, tornou-se comum chamar pessoas entrevistadas de personagens, independente de sua natureza, e Fernandes questiona Brum qual relação ela tem com as personagens das matérias. Ela diz que quando um repórter reduz uma pessoa a uma personagem ele está sendo traidor, pois personagem é da ficção, como se fosse pessoa ‘pronta’, enquanto ela vê o jornalismo como decifração do outro. Em resposta direta, Eliane conta ter relações fortes com tais pessoas, procura fazer um processo interno antes de entrevista-las – pergunta-se se fosse ela sendo entrevistada, permitiria que alguém a indagasse sobre suas atividades e anseios. Tudo isso porque, como afirma, a gente não entra na vida dos outros impunemente. 

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Recriação Poética – Ricardo Pozzo e Marcelo Sandmann na FLIM 2013

Segundo debate de terça-feira, 22 de outubro, na Festa Literária do Medianeira – FLIM 2013. No palco da tenda montada próxima a cancha esportiva do Colégio Medianeira, Cezar Tridapalli, organizador do evento, fala ao público, formado em maioria por estudantes de 14-15 anos, sobre o bate-papo da mesma manhã, no qual Daniel Zanella e Luiz Andriolli comentaram que a literatura permite conhecer outras pessoas, como se as desses voz – e Tridapalli passa a vez para Assionara Souza, mediadora desta sessão.

Ela pergunta aos dois escritores convidados onde se esconde a poesia, visto que ambos adotaram esta forma de expressão. Para Ricardo Pozzo, as crianças tem uma felicidade interior única, e o ‘mundo adulto’ muitas vezes perde a sensibilidade para perceber as sutilezas do mundo delas, recriado a sua própria maneira, e na falta de quem as ouça acabam falando sozinhas – parte desse ‘falar sozinho’ sendo fonte de poesias e demais escritos.

Já Marcelo Sandmann escreve a partir de textos que lê – ‘estou o tempo todo conversando com outros escritores’. Mas não é apenas dessas leituras que ele se alimenta para escrever, e sim de experiências pessoais, na observação de detalhes do cotidiano.

Pozzo diz que começa a escrever porque lê, e diz que todo mundo tem direito a escrever. Mesmo que seja algo apenas para si, ou que a pessoa não goste do que escreveu quando for ler de novo, pois considera que ao escrever se transmite um sentimento que não poderia ser contado de outra forma.

Após ler um trecho de um poema de Marcelo Sandmann, Assionara Souza pergunta como é a exposição de outros textos em sua obra. Sandmann menciona policial em ascensão, histórias macabras ou pesadas do cotidiano, conta que só as manchetes dos noticiários por si mesmas já contam histórias, e a reunião que ele faz delas em suas poesias é como um choque de linguagem entre o lado ‘bruto’ da realidade e o poético.


É preciso ser muito humano para ter sensibilidade hoje, argumenta Ricardo Pozzo. Nas palavras dele, a poesia é uma significação de força e sensibilidade, uma das expressões de humanidade em um mundo que há incentivo a tudo, menos a essa face sensível. 

Leitor como Amigo - Daniel Zanella e Luiz Andrioli na FLIM 2013

Manhã de terça-feira, 22 de outubro de 2013, segundo dia da Festa Literária do Medianeira – FLIM. Dentro da tenda montada próxima a cancha esportiva, algumas pessoas escolhiam seus lugares tranquilamente, os convidados deste bate-papo se encaminhavam para o palco, não sem antes serem avisados para ‘se prepararem’. Em um breve momento começa a sessão, e eis que dezenas de alunos, na faixa etária de 13-14 anos, entram na tenda e lotam-na com suas elétricas presenças.

Ricado Pozzo, mediador, pergunta aos dois convidados sobre o ‘assunto do momento’, a biografia, considerando que na semana anterior a esta sessão houve polêmica devido a família do falecido poeta curitibano Paulo Leminski não ter autorizado a publicação de uma biografia deste escrita por Domingos Pellegrini – fato mencionado pelo mediador. Daniel Zanella responde que a imagem de uma pessoa pública pertence a coletividade, como se a vida da pessoa, no caso, Leminski, não pertencesse mais a família dela, embora ela procure velar os mortos a própria maneira. Zanella considera tal impedimento é um ranço da ditadura, devido a este cerceamento de informação.

Impedir a publicação de uma biografia é censurar uma história, e este ato é o mesmo de censurar uma reportagem que expõe riscos de uma decisão política equivocada, responde Luiz Andrioli, outro convidado desta mesa. Ele conta do processo e escrita do livro O Circo e a Cidade, sobre a trajetória da família circense Queirolo em Curitiba. Conheceu membros desta família através da própria, e após longa pesquisa começou a escrever o livro, o que significou contar acontecimentos bons e ruins. Alguns dos Queirolo não gostaram do que leram ,e tentaram convencer Andrioli a desistir da biografia; mas meses depois do livro ter sido publicado, a família circense passou a aceita-lo como seu. Ninguém gosta de se ver no espelho, diz Andrioli, e pergunta para o público – alguém já gravou a própria voz? Gostou do que ouviu? Um coro de ‘nããããos’ foi a resposta, e ele comenta que é semelhante em relação a biografia.

Ricardo Pozzo pergunta aos convidados como é a percepção do que constrói uma boa história. Daniel Zanella menciona Nelson Rodrigues, admirado por suas crônicas ditas simples, acessíveis a todo cidadão; ao que este disse em uma entrevista ‘vocês não imaginam como é difícil escrever simples’. Zanella conta que o cronista deve enxergar o leitor como amigo, para quem conta algo do cotidiano sem que isso soe conteúdo apenas para entendidos ou iniciados em determinado assunto, mas sim uma conversa leve; de maneira que o leitor, se identificando com que lhe é contado, enxergue no escritor um amigo próprio.

Luiz Andrioli conta sobre uma crônica que escreveu para a revista TopView, sobre uma barista. Ao conversar com a barista, soube que parte da família dela havia trabalhado com café, desde parentes que haviam estudado o tema a alguns que sobreviveram de plantações de café em eras passadas. Mas não parecia ser o suficiente, era como se faltasse algo para ‘fechar o texto’, a gíria do jornalismo para terminar a matéria. Andrioli disse que se valeu se um detalhe para tanto: durante o tempo em que entrevistou a barista, no local de trabalho desta, o marido dela foi até lá e entregou-a algo, pequeno o suficiente para caber em uma mão fechada – um brinco, precisamente. O jornalista pediu para ver o brinco, que tinha a forma de um grão de café pintado a ouro, de onde veio o nome da crônica – Grão de Ouro. É ao observar detalhes que vem a inspiração, conta o jornalista.

Respondendo a uma pergunta de Ricardo Pozzo, Luiz Andrioli recomenda a leitura de Érico Veríssimo e Dalton Trevisan. Cita uma pesquisa publicada pela revista Science, na qual se escreveu que quem lê mais ficções e romances está mais apto a conhecer o outro, tendo uma sensibilidade maior, não a ponto de chorar pelo que presencia, mas no sentido de perceber as nuances do contexto que o cerca.


Zanella conta que lê 30 páginas, se não se sentir conquistado este ‘prazo’, desiste do livro. O importante, ele diz, é encontrar um livro que possa divertir o leitor. Considera importante a expansão do acervo literário, mas com cautela, conta que a indicação de alguns livros lhe foi desastrosa em determinados momentos – não tinha consciência para entender Dom Casmurro aos 11 anos. Zanella fala que a literatura pode ajudar a conhecer pessoas, algo que somado ao que ele e Andrioli contaram neste bate-papo, pode fazer com que leitores e escritores vejam nas produções e leituras uns dos outros alguém com quem conversar.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Herança por meio de Histórias – Ilan Brenman na FLIM 2013

Escritores são herdeiros dos narradores, de acordo com Cecília Meireles. A frase é citada por Ilan Brenman, na primeira palestra da Flim 2013 – Festa Literária do Medianeira, em uma chuvosa noite de segunda-feira, 21 de outubro. A mencionada frase de Meireles, Brenman adiciona que vivemos e morremos por causa das histórias, algo explicado por meio de uma que ele conta.

Em um reino muito distante, havia um rei muito poderoso, apaixonado por sua rainha. Porém, um dia ela adoeceu, emagreceu muito, e o rei pediu auxílio aos melhores médicos do reino. Porém, em vão – a rainha continuava doente, magra e triste. Em busca de socorro, o rei andou por todos os cantos, e nenhum remédio parecia bastar. Até encontrar um camponês, que o apresentou a sua esposa – sorridente,  saudável e em forma. ‘Mas o que o senhor dá a sua esposa, que ela está tão bem?’ perguntou o rei, e ouviu do camponês que este a alimentava com carne de língua. O rei deu-se por satisfeito com a resposta, voltou ao seu castelo e instruiu ao cozinheiro que preparasse tal prato.

Ilan Brenman continua com a história –seu cozinheiro preparou a tal ‘carne de língua’ com o que tinha- língua de cobra, sapo, qualquer animal que fosse; mas, mesmo com ingerindo essa refeição, a rainha não melhorou. E o rei afligia-se, se perguntava porque o tal ‘remédio’ funcionou tão bem com a esposa do camponês, mas não com sua amada rainha. Foi conversar com o camponês, contou-lhe que serviu carne de língua a rainha mas ela não melhorava, e os dois homens trocaram de lugar por alguns dias – o rei foi cuidar da esposa do camponês, enquanto aquele foi cuidar da rainha. Ao desfazer a ‘troca’, o rei notou que a rainha estava bem, tinha voltado a forma, sorridente, ao que a esposa do camponês adoeceu. Este perguntou o que houve, e o rei contou que serviu a tal carne de língua a esposa do camponês da mesma forma que a rainha, e o camponês explicou o que realmente significava tal expressão. Não era de comer ou beber, ou algo físico, e sim contar histórias para a pessoa. Aí o rei suspendeu o prato que pediu a seu cozinheiro, a passou a contar histórias para sal rainha.

Após terminar de contar esta história, Brenman comenta dos vários tipos de ‘carne’ do que nomeou açougue da vida, há desde carne fina de primeira qualidade a comida de quinta. E adverte - se nos alimentamos apenas de histórias ‘fast-food’, viramos zumbis.

Mas ilustrar um raciocínio por meio do conto parece não ser o suficiente. Por que inventar histórias se podemos falar? Ilan questiona a plateia, uma multidão de pais, mães, professores, crianças e visitantes que lotou o salão nobre do Colégio Medianeira. A primeira resposta veio de uma criança na segunda fila, próxima ao palestrante: para deixar a vida interessante. Outras respostas, de adultos, vieram de carona – pelo conhecimento, criatividade.

O homem não suporta a angústia de não compreender o mundo, e as histórias eram criadas para explica-lo, conta Brenman. No contato com estas ferramentas de compreensão chamadas histórias e linguagens, podemos entender a história da natureza humana, e perceber que não houve mudança nela, diz o palestrante, que considera a espécie como a mesma de sempre.

Parte da herança dos escritores, legado dos narradores, conforme a citação no início desta palestra, pode ser explicada por outro ato falado por Ilan: nomear. Usando uma frase do psicanalista francês Jacques Lacan, argumenta que quando não se nomeiam sentimentos, eles nos devoram; enquanto o ato de nomear é mais do que mera definição, é uma proteção.

Ao contrário do chamado politicamente correto de não mostrar realidades as crianças e disfarçar temas com palavras suaves, como se falar de violência fosse incentivar um comportamento violento na criança - um pensamento que Ilan comenta ser ultrapassado nas áreas educacionais estrangeiras, mas ainda corrente no Brasil.


A criança é dona de um mundo interior rico e complexo, argumenta Ilan Brenman. Um universo a ser explorado com cuidado e sensibilidade, nomeando experiências e sensações, evitando ou possivelmente reduzindo a angústia da incompreensão, especialmente ao considerar que as viagens das crianças (por meio de leituras ou não) não são as mesmas de pais e mães. E assim se toma posse da herança deixada por narradores e escritores.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Segundo Nascimento

Na foto do cartaz de divulgação, o semblante sério, curtos cabelos e comportados, as mãos próximas dos pés, trajes comuns sem adereços ou extravagâncias, composição visual cuja impressão pode ser de alguma rigidez ou excessiva seriedade no trato. Em um pátio interno de um colégio, uma multidão crescente e ruidosa aglomera-se frente a uma porta de um teatro, aguardando a pessoa cujo trabalho é motivo de um bate-papo.

Sem anúncios, nem escândalos com a própria presença, apresenta-se em notável discrição. Algumas vozes em volta silenciam, perante a chegada da admirada figura. Uma funcionária fala com a convidada, indica-a um corredor, informa-a de que ao final deste está o organizador do evento. Poucos minutos de espera, as portas do teatro são abertas, o público adentra. Um funcionário do colégio faz uma breve apresentação da convidada: escritora, jornalista, tais e tais prêmios, livros, pequena formalidade antes que o microfone seja passado a dela.

“Eu não tinha muita convicção disso, de ser repórter”, ela fala, tom suave e natural de voz. “Eu tinha escolhido jornalismo, nunca tive problemas nas aulas, mas acabei escolhendo porque as outras opções de faculdade não pareciam tão legais. Mas apesar disso, eu nunca tive em mim essa força, esse ideal de reportar. Só no final do curso que um professor me ensinou a importância disso”, explica. “Esse professor me ensinou que reportar é mais do que levar informação, que há casos em que você conta uma vida quando escreve”.

“É como se você se deixasse por um momento e desse a sua voz a outro”, continua. A repórter fala de tal forma que o ouvinte é embalado pela tranquilidade do que ouve. Ela emenda: “é você buscar ouvir alguém pela voz desse alguém, evitando julgamentos prévios”. Uma moça na plateia levanta a mão, e pergunta como é a relação da convidada com a escrita e a leitura, considerando que boa parcela dos trabalhos dela está relacionada a estas atividades.

“A leitura veio antes da escrita, foi como nascer de novo”, ela responde. “Fui ensinada a ler e escrever pelo meu pai, e ele aprendeu com uma senhora para quem prestava serviços. Esta senhora queria que todas as pessoas do vilarejo onde meu pai morava pudessem ler e escrever, e sempre dizia que o mundo da leitura é um mundo maravilhoso, onde você viaja pelas páginas. O meu pai aprendeu isso com ela, e eu com ele. E graças a essa senhora que nós podemos viajar pelas páginas, porque antes disso éramos cegos das letras. Foi um segundo nascimento”.


Outras perguntas foram feitas naquele curto bate-papo, uma delas sobre inspiração, em busca de compreender como a escriba exerce o ofício. Alguns ouvintes nas cadeiras da primeira fila do teatro, que estavam com blocos de papel e canetas em mãos, puseram-se a rabiscar rapidamente, para registrar com exatidão cada palavra da convidada. Porém, pouco antes da pergunta cuja resposta foi mencionada no parágrafo anterior, também haviam mãos levantadas, possíveis questões extras ou declarações de afeto. Mas quando ela falou no que denominou segundo nascimento, parcela dos que assistiam ao bate-papo julgaram ter compreendido mais do que as palavras podem explicar.

domingo, 6 de outubro de 2013

Anônima Gentileza

O centro de Curitiba, esta cidade dentro da capital do Estado. Suas ruas e praças batizadas em referencia a Marechal Floriano Peixoto, Barão do Rio Branco, XV de Novembro, Voluntários da Pátria, Tiradentes, e outras personagens ou datas julgadas importantes devido ao legado de distante época, reconstituída por esparsos entusiastas da história local e solenemente ignorada por cidadãos que cruzam avenidas sem se preocuparem com seu nome ou origem.

Saindo a pé da Praça Rui Barbosa, uma espécie de terminal de ponto de ônibus a céu aberto, em direção a Praça Osório, marcada pelo chafariz e por ser ponto de barracas de feiras de inverno ou artesanais, anda-se pela Senador Alencar Guimarães, cortada pela Emiliano Pernetta. O corte se resume a uma faixa de pedestres, atravessada por velozes veículos motorizados enquanto os caminhantes aguardam (ou não) a sua vez prostrados no fim das calçadas.

Um homem, de idade entre vinte a trinta anos, está parado ao lado do semáforo, e tem a atenção roubada do trânsito por algo que lhe é encostado suavemente no braço esquerdo. Olha a fonte do toque, é uma fina bengala de plástico, manejada por um senhor com visíveis quarenta e tantos anos. Este pede ao jovem auxílio para cruzar a ruela, que lhe atende. O sinal enverdece, o rapaz caminha lentamente segurando o senhor pelo braço, e gentilmente pergunta-lhe o nome. “Meu nome não importa”, resmunga. Desistindo do diálogo, informa ao cidadão que chegaram ao outro lado da rua, ao que o homem de bengala na mão agradece, e desaparece na multidão, tão anônimo e discreto quanto surgira.

A mencionada Praça Osório cruza diretamente com a Avenida XV de Novembro, referência por concentrar cafeterias, lanchonetes, bancos, lojas de calçados, de roupas, estabelecimentos vinculados a cultura e a ensino - o Teatro Guaíra próximo a Reitoria da Universidade Federal, e o imponente prédio onde outrora funcionou o shopping Garcez, hoje Campus da Facinter, cada um em uma ‘ponta’ da rua XV, servindo de referência – e outros serviços oferecidos ao habitante curitibano. Não faz mal não saber o nome exato de um lugar, afinal, “me encontre na frente daquele bar dos toldos roxos”, “na entrada da galeria perto do café”, “pega aquela rua que sobe para a Biblioteca”, “o tal prédio fica em frente ao cavalo babão no Largo, sabe”.

Talvez se saiba. Um humorista afirmou certa vez que o Brasil é um país onde todo mundo fala errado mas todo mundo se entende. Adaptando parcialmente a zombaria, por aqui nem todo mundo sabe o nome da rua pela qual anda mas sabe aonde quer chegar.  Dependendo do caso, singelos “com licença moço, esse ônibus vai para o centro?”, “moça qual o nome dessa rua?” servem para evitar problemas de localização. Se por acaso quem perguntar estiver diante de um excessivamente introvertido, mal-humorado ou puro indisposto cidadão, este pode nem falar, mas apontar o nome da rua em uma placa ou parede próxima.

O que serve, ainda que duas quadras a frente, uma a direita e uma última a esquerda seja necessária nova pergunta. Uma olhada em um pedaço de papel ou anotação no celular na qual o endereço de destino foi registrado, apenas para certificar-se de que se está em frente a ele. Os olhos passeiam em busca do nome e número do destino, com possibilidades de encontrar mais do que se procura.

Um exemplo: na região do Largo da Ordem, há uma quadra cujos lados são duas ruas inclinadas, na qual está uma construção antiga, que pode ser vista a distância, das quadras em declive perto da que abriga a referida construção, de tons amarelados, com altos portões de ferro, chamada Sociedade Garibaldi. Saindo do Memorial de Curitiba, andar duas quadras em aclive em direção a esta sociedade é um entre muitos caminhos para nela chegar.

Precisamente entre o bloco da antiga Garibaldi e o anterior a ela, fazendo-se o caminho descrito no parágrafo anterior, há uma ruela pela qual passam inúmeros carros, e a pressa de seus motoristas força os pedestres a esperar passagem, especialmente pela falta de semáforo neste trecho. Eis que durante um final de tarde, uma moça empurrando um carrinho de bebê espera uma folga dos carros para ir pela quadra da construção; ela dá um passo a frente, mas recua frente ao tráfego.


Um homem, na frente desta mulher, porém na direção oposta a ela, nota o aguardo desta. Ele desce pela ruela, um carro se aproxima de onde ele está,  o homem levanta a mão em sina de pare, forçando o motorista a um freio, e com a outra a mão acena “venha” para a mulher, que enfim caminha ladeira acima. Assim que ela pisa na quadra de cima, o homem atravessa a rua e segue abaixo. Três rapazes na sacada de um restaurante vermelho, na esquina do bloco vizinho ao da Sociedade Garibaldi, aplaudem e gritam “isso aí, parabéns” e pronunciam um nome que não é tão audível em meio ao som dos carros trafegando, mas ouve-se ‘inho’ ao final. Seria Joãozinho, Luisinho, Ricardinho, o nome do homem que facilitou o trajeto da mulher que empurrava o carrinho de bebê? Não há como saber. Ambos desaparecem em seus caminhos, sem sequer perguntarem-se os nomes. O que não impediu uma anônima gentileza.

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Infinitos saltos em um trajeto – um dia no Parkouritiba

Domingo, 29 de setembro de 2013. Quem passasse em frente ao Colégio Estadual do Paraná, próximo ao Passeio Público, não imaginaria que a instituição abrigaria um conhecimento peculiar naquele final de semana, cuja prática move seus adeptos de lado a outro continuamente.

Adentrando, vê-se que quatro rapazes levam um grande colchão azul, pesado e resistente, para um pátio próximo a salas de aula e séries de armários de metal. O grupo posiciona o colchão na frente de outro igual, deitam-no no chão, ajeitam os dois itens, que formam algo semelhante a um bloco no qual caberiam talvez dez pessoas deitadas. Havia mais pessoas próximas , esperando por esta montagem, alguns acenos como quem diz ‘está bom assim’, e eles servem a seu propósito.

Um rapaz toma distância, começa a correr em direção aos colchões, e antes de pisar neles, pula e dá um salto mortal, aterrissando firme no solo montado. Ele se levanta, sai de cima dos colchões, e outros o seguem, ora com saltos mortais, ou simples pulos. O aquecimento do  Parkouritiba já tinha começado.

A explicação do Parkour é simples: mover-se do ponto A ao ponto B de maneira desafiadora para quem pratica. Uma simplicidade que envolve infinitos trajetos, de acordo com cada Traceur – uma denominação dos praticantes do esporte. Não há competitividade, o percurso pode ser feito livremente.

Um pouco antes do pátio onde foram colocados os mencionados colchões, há uma ‘praça’, com mesas e cadeiras fixas feitas de pedra – servem para treinar pulos básicos. Em frente a ela, uma face de um dos prédios do Colégio, com quatro janelas verticais e retangulares cercadas por cinzentas grades, nas quais a estrutura da grade formava algo semelhante a uma cruz. Da praça a parede deste prédio distam aproximados dez passos – espaço suficiente para que traceurs tomassem impulso com corrida e um pulo, no alto do qual estendiam a mão até alcançar a parte inferior da grade. Não chegando perto, uma brevíssima pausa no solo, uma rápida análise do trajeto - até seu recomeço.

Dentro desta parte do Colégio, seguindo pelas curtas escadas (ou pulando os degraus de uma vez só, como alguns fizeram), e depois pelo corredor, chegava-se a cancha esportiva, também adaptada para o Parkour. Próximos a porta, quatro cavaletes negros, dois mais altos em uma fila, dois menores noutra, por cima dos quais os praticantes pulavam, se apoiando na mão direita, esquerda, ou ambas; mas enquanto uma pessoa ou duas segurava o cavalete para que não saísse de onde fora deixado, o topo destes itens servia de pouso para saltos. 

Na metade desta mesma cancha, foi montado um andaime, em cujas barras metálicas os esportistas se seguravam, se balançavam e pulavam, agarrando-se noutra mais alta ou baixa da qual estava. Fora deste prédio, nas arquibancadas da pista de corrida, uma singela elevação no muro destas serviu de apoio para saltos, de degrau para muro e vice-versa – local observado por um grupo de cinco pessoas que haviam escalado uma guarita e viam tudo do telhado desta, logo dividindo o espaço com outros que ali chegavam, agarrando-se em vãos de muros ou grades de portões e janelas.

O Parkouritiba, nesta sua quarta edição, aconteceu em 28 e 29 de setembro, reunindo aproximados 250 participantes no primeiro dia. De salto a outro, cada um faz sua própria leitura do local em que está e desafia-se, buscando uma forma nova de realizar o trajeto. 

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Pela Porta dos Quadrinhos – Fábio Moon e Rafael Coutinho na Semana Literária Sesc 2013

Último dia da Semana Literária Sesc 2013, que ocorria ao mesmo tempo em que a XI Feira Universitária UFPR, em Curitiba, capital do Paraná. Naquela manhã de sábado 21 de setembro, o último debate estabeleceu uma ponte com uma forma particular de leitura, mais precisamente os desenhos das Histórias em Quadrinhos.

Pela Porta dos Quadrinhos é o nome desta sessão, para a qual foram chamados dois quadrinistas. O mediador Yuri Al’Hanati inicia, perguntando a ambos como se deu o processo de transposição de histórias literárias para o universo das HQs. Fabio Moon conta que a HQ tem espaço delimitado, a história em questão teria que ter 70 páginas, e a preocupação dele durante o desenho de O Alienista foi manter a narração e o ritmo de leitura, pois não queria perder o que gosta no original de Machado de Assis, mesmo que a história desenhada fosse de sua autoria. Quanto a Rafael Coutinho, a diretriz foi contar Branca de Neve e os Sete Anões de maneira a manter o ambiente da original, sem ‘modernizar’ o conto.

Al’Hanati os indaga qual a experiência deles como leitores de quadrinhos adaptados. “Adaptação literária responde a uma demanda do país”, explica Coutinho. Conta que mesmo mantendo a essência da história original, o produto final acaba sendo outro, pela composição da HQ.

Vê a venda unicamente para escolas como problema, pois a pressa para cobrir uma demanda de adaptações pode ocasionar a contratação de editoras duvidosas, que alterem o conteúdo e sentido durante o processo. A isto, Fábio Moon complementa que criar uma História em Quadrinhos demora, e nem sempre há preparo para esta transposição ao atender uma demanda com urgência. “HQ é criar uma bolha e jogar o leitor lá, se o mercado não dá esse espaço, a bolha explode”.

Essas versões adaptadas podem ajudar a estimular o interesse pela versão original?, indaga o mediador. Fábio Moon responde que os poderes visuais e textuais das HQs dialogam com várias mídias e possuem características próprias. “A história tem que fazer a pessoa se sentir parte daquilo”, explica. “Faço a HQ o melhor que posso, talvez a pessoa queira ler a próxima coisa que faço.”.


Quanto a Rafael Coutinho diz que a forma com que a literatura é vista deve ser repaginada. “Tem que parar de enfiar Machado de Assis e Eça de Queiroz goela abaixo [dos estudantes], para de chamar adolescente de ignorante porque não leu a literatura do tempo da minha vó”, afirma. Seu colega complementa que a aprendizagem deve servir para instigar os alunos a fazerem relações entre as obras, “se não mostrar relevância o aluno não se interessa”. 

Transição do Mercado Editorial – Heloisa Jahn e André Conti na Semana Literária Sesc 2013

Há dados numéricos contabilizando os livros vendidos em 2011 na casa dos milhões, uma informação que soa uma incógnita em um Brasil onde a média de leitura é quatro livros anuais por pessoa. O que acontece de fato? É apresentando tal informação e pergunta que se inicia a mesa-redonda Mundo de Livros, mediada por Omar Godoy, na noite de sexta-feira, vinte de setembro, inclusa na Semana Literária Sesc 2013.

A convidada Heloisa Jahn conta ter visto o panorama do mercado editorial pelo prisma de quem trabalhou anos revisando material para publicação, visto que ela tem experiência na Brasiliense e na Companhia das Letras. “As editoras tem buscado transformar o livro em objeto importante”, afirma, após comentar que anos atrás não havia tanto cuidado na revisão dos livros. As traduções nem sempre eram do idioma original, mas a origem delas nem sempre era informação disponível ao comprador, e a diagramação dos livros foi outro aspecto que foi gradativamente aperfeiçoado – além dos direitos autorais, postos em prática a partir da metade da década de 80.

A partir do que Jahn conta, pode-se interpretar que a convivência com a internet, como ela chama, está inclusa nesta transformação. Ela faz uma divisão entre as leituras do objeto livro e as da rede virtual: “leitura profunda do livro contra a leitura rasa de internet, a capacidade de entrar no livro as vezes sai prejudicada”.

O mediador Godoy pergunta ao segundo convidado se ele participou da transformação do mercado editorial ou já embarcou nele após o início do processo. André Conti presenciou a transição do mercado, o começo da internet no Brasil, e conta também que o mundo editorial trabalhava em um ritmo mais lento, em comparação a média atual mensal de cinco livros publicados pela Companhia das Letras, onde trabalha.

De acordo com ele, a real interferência da internet ocorreu há aproximados oito anos, e um exemplo dela é a recepção do livro. “Duas páginas na Veja tinham grande peso”, diz André, que viu a curva de vendas de livros permanecer igual mesmo tendo ‘suado’ para ver resenhas publicadas em veículos de grande alcance. Mas demonstra otimismo ao falar do diálogo virtual estabelecido pelos leitores, através de comentários e resenhas em blogs ou sites específicos – como disse, viu que o livro estava ‘borbulhando’ nas palavras positivas dos leitores.

Omar questiona os convidados sobre o que é explicado a partir do índice de leitura. “A existência de livros e bibliotecas não tem significado aumento no número de leitores”, afirma Heloisa Jahn. Seu colega de debate adiciona que “o número de vendas é muito imaterial, o que você tem é leitor, e tem que cultivar”.


E qual o impacto de eventos literários, com suas oficinas, palestras, e sessões de autógrafos? André Conti responde que há o lado bom de permitir aos leitores o contato direto com os autores, e há também um aspecto financeiro, pois com tais eventos os autores tem um meio de viver de literatura, “ao dar a cara em todo lugar que é convidado”.

Esquina do Texto – Marcelino Freire na Semana Literária Sesc 2013

Tem que fisgar uma frase do autor, diz Marcelino Freire durante as oficinas literárias em que leciona. Os estudantes delas recebem um ‘patrono’ – um autor sobre o qual devem pesquisar obra e vida. Não era o caso naquela manhã de sexta-feira, 20 de setembro, mas o público que lotou o auditório da Semana Literária Sesc 2013 pôde aprender sobre Manoel Carlos Karam, patrono do citado evento, apenas ouvindo Freire na palestra “Karam, o irônico mordaz”.

Freire está sentado em uma poltrona branca, e a sua direita está uma minúscula mesa de vidro, três livros empilhados e um copo plástico com água sobre ela. Ele conta que escolhe autores de “uma seara de quem escolheu a literatura como paixão, como ofício máximo e maldição”, por vezes escritores cuja produção foi pouco conhecida – entre eles Jamil Snege, que apresentou a cidade para o palestrante em décadas passadas.

Marcelino conta que durante uma dessas oficinas, uma aluna perguntou “mas pode escrever dessa maneira?” ao estudar um autor. Pode – e comenta sobre a mistura que Manoel Carlos Karam, fazia entre teatro, quadrinhos, rádio e outras mídias. Ele pega um dos livros da mesa, lê uma frase: “arranquei do dicionário a palavra paixão, carrego comigo”. “Karam era movido por isso”, como se a escrita fosse a única coisa que pudesse fazer, explica Freire. Um ofício exercido as cegas, como se a escrita se fizesse por si.

“O texto está cheio de esquinas, você pode encontrar um pente ou um cadáver. Você dobra a esquina, e não sabe o que tem no próximo parágrafo”. Não dá para enquadrar a literatura do Karam, você pensa uma coisa e é outra, diz Marcelino. Ele menciona uma entrevista em que perguntaram ao homenageado autor um resumo do livro Cebola, a qual respondeu ‘se eu pudesse resumir o livro em três linhas não teria escrito 250 páginas’.

Com um segundo livro em mãos, Marcelino busca uma frase noutra esquina da produção textual.  “A felicidade não bate a porta. A felicidade deixa um bilhete debaixo da porta. O bilhete dizia foda-se”, do Impostor no Baile de Máscaras. Outra leitura, desta vez do Fontes Murmurantes: “temporada de verão, a maré subiu – o mar, na tentativa de pegar os peixes que almoçamos”.

O palestrante conta uma tática que recomenda aos alunos de suas oficinas: “joga um pitbull do sétimo andar. Vai ter que fazer com que a história gire em torno disso, no mínimo vai desbloquear.” Está com bloqueio? “Seus personagens não saem para tomar café?”, e volta a falar de Karam, que se descrevia mais como leitor do que escritor, dono de uma literatura sem estilo. E compara Manoel Carlos Karam a Machado de Assis – tudo ao mesmo tempo agora. “Machado de Assis parava a história para dizer ‘vou ali e já volto’, matava personagem com anúncio de velório, só não fazia colagem como o Valêncio Xavier porque não podia a época”.

Marcelino Freire pega um livro, procura uma página específica, mas enquanto não a encontra, brinca, olha para o copo plástico d’água ao lado dos livros e diz que a palestra é um patrocínio de Serra da Graciosa. “O Karam faria isso”, diz, entre risos seus e da plateia. O grande escritor não escreve, compõe uma história, conta Freire, enfatizando a necessidade de muita paixão prezando linguagem e humor para mostrar o quanto ridículo nós somos.


“O leitor é coautor dos livros do Manoel Carlos Karam, pode começar a ler em qualquer parte”, conta Freire. O patrono via a literatura como um jogo, como se fosse mais fácil participar e divertir. E o leitor é coautor dessa jogatina que vai de esquina a outra desenfreadamente.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Gramado para Interpretação – Marcelo Backes e José Roberto Torero na Semana Literária Sesc 2013

O juiz acena, e os dois jogadores aguardam qual deles vai receber a bola. Não era um jogo, apenas um treino em forma de mesa-redonda intitulada “Gol de Letra’, inclusa na Semana Literária Sesc 2013, simultânea a XI Feira Universitária UFPR. Ao invés de um juiz ou um técnico, um mediador – Paulo Krauss, que lança a pergunta aos dois convocados – como entraram no futebol?

“Só torço para dois times: o Internacional e para quem estiver jogando contra o Grêmio”, responde Marcelo Backes. Nascido em Campinas das Missões, interior do Rio Grande do Sul, conta que não havia muito a fazer na cidade, e que sua relação com o futebol é natural, tanto que parece desmentir o que diz do próprio vínculo com o esporte. Backes conta que seu elo com o futebol sempre foi de sofrimento, nunca jogou muito bem, mas ouviu repetidas vezes ‘você não joga nada’ do pai.

Bola, ou vez, para o parceiro do treino-debate, José Roberto Torero. “Nunca liguei muito para futebol até meus nove anos”, mas até ser levado pelo pai a um jogo específico- o pai lhe disse “você tem que ir”. Em determinado momento da partida, um jogador cruzou os braços, e gesticulou como quem se despede. Torero conta que o pai era durão, mas estava chorando – por que aquele jogador ia parar de jogar? E via a mesma reação em outros no estádio, e aquela despedida de Pelé em 1973 o fez querer entender o que o futebol que faz as pessoas chorarem. “Tristezas e alegrias renovadas, o futebol parece muito com a vida”.

O técnico-mediador Krauss pergunta aos escritores como se deu o elo entre literatura e futebol. Torero responde que foi chamado para escrever o livro do Santos, e também para escrever crônicas esportivas. Mas a despeito da presença do esporte em sua escrita, ele explica “não sou apaixonado por futebol, não é o assunto mais importante, é só o mais importante das coisas menos importantes”.

Backes usou o futebol como pano de fundo em seu livro O Último Minuto, no qual um treinador aposentado conta a um seminarista o porquê do esporte em sua vida. Aproveitando a jogada de seu colega de debate, conta que o futebol, combinado na escrita com outros assuntos, pode ser um bom veículo para falar de outros temas.

Paulo Krauss indaga a José Roberto Torero: considerando que há muita crônica esportiva no Brasil, por que não há uma literatura mais ‘aprofundada’ sobre ele? “Não é grande assunto na literatura”, responde o convidado, que cita alguns motivos – um deles é o que considera “um divórcio entre futebol e intelectualidade”. O esporte possuía, em campeonatos passados, um público majoritariamente elitista, e gradativamente tornou-se acessível e praticado pelas camadas populares. Outro fator foi a seleção brasileira, negativamente associada a ditadura no país, como se fosse propaganda desta. Torero adiciona uma comparação da partida de futebol ao cinema, com 90 minutos de duração, protagonistas e ocasionais heróis, marco na história – no caso o intervalo, como se o esporte fosse uma narrativa em si.

E Marcelo Backes, sente falta de mais futebol na literatura? “Nunca pensei nas motivações”, responde, argumentando que poucos escritores têm experiências como jogadores ou técnicos de futebol, fundamental para escrever sobre o tema. Quanto a crônica, a considera uma observação de maneira distante, como se fosse outra estratégia para relatar uma partida.


Uma última pergunta do mediador – que observações fazem do mercado de livros relacionados ao esporte? Torero conta que há muitos títulos com tiragens pequenas, mal ultrapassando cinco mil exemplares, para atender pequenas demandas. “Vou escrevendo, não cogito leitores” conta Marcelo Backes, “uma vez o livro pronto, não há o que fazer”. Objetivo, aponta o futebol como uma metáfora, uma gramado no qual enxerga uma “tentativa de interpretar o momento pelo qual o Brasil está passando”. 

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Bisbilhotando Significados – Marina Colasanti e Ernani Ssó na Semana Literária Sesc 2013

“A criança vê o adulto com mistério”, fala Mariana Sanchez, mediadora da mesa redonda batizada Bisbilhotando Outros Mundos, realizada manhã de 19 de setembro. A frase foi originalmente pronunciada em debate do dia anterior, ambos inseridos na Semana Literária Sesc, evento simultânea a XI Feira Universitária UFPR. A mediadora pergunta aos dois convidados qual o fascínio da infância sobre eles.

“Tenho dois livros sobre bruxas, foram os que mais gostei de escrever, porque tinha medo de bruxas quando era criança”, conta Ernani Ssó. “O livro para criança não funciona se o autor não lembra como foi enquanto criança, funciona quando o autor tem uma ligação forte com a própria infância”. O escritor também conta que o pai lhe contava histórias na infância, e as infantis que escreveu foram um conjunto de saudade daquelas e uma dose de vingança das bruxas.

“Não vejo mistério nenhum na infância, a vida é mistério em qualquer idade”, revela Marina Colasanti. Quando escreveu livros infantis, ficou surpresa com a nitidez das próprias sensações deste período específico. “Nunca tive intenção de escrever para crianças. Quero dar ao leitor o que ele não quer, ou o que não sabe que quer. Meus temas são o que me sinto obrigada a escrever, são uma ‘garantia’ da minha sinceridade mais intensa”.

Sanchez pergunta a Ernani sobre uma experiência em que um de seus livros foi usado em leituras escolares. “Foi interessante, o Contos de Morte Morrida está sendo recomendado para crianças de oito anos, e a criança distingue bem a realidade da fantasia”. A leitura desta obra por dois alunos foi notada por um bibliotecária e uma professora, posteriormente envolvendo mais pessoas dentro da escola.

E quanto a Marina, autora de contos de fada, qual a diferença destes para a literatura dita infantil? “A coisa mais difícil da literatura é a qualidade, os contos de fada são um gênero com pouca produção e difíceis porque são feitos sem a razão. Um conto de fada ‘construído’ é chato, só funciona quando surpreende o autor, se não me surpreender não serve. Aconteceu assim na minha cabeça, é assim que vai”.

A mediadora pergunta a ambos como apresentar o mundo da leitura as crianças de forma natural, sem forçar o desenvolvimento a prática. Ernani Ssó menciona uma entrevista em que Fernanda Savata afirmou que sem dúvida o que faz entrar para a leitura é paixão ao contar um livro para alguém, e o hábito deve ser transmitido por meio disto. “As crianças se afastam dos livros obrigatórios, o elogio da leitura é quase igual ao elogio da alface: o pai diz que alface é boa mas não come. O pai não lê, o professor não lê, e se a criança não gostar não adianta. As escolas deveriam ter alguma forma de contagiar as crianças com leitura. O professor não devia impor, deveria ser guia. E tem que descobrir um livro que emocione, não é porque um autor é clássico que deve ser lido”.

“Antes falávamos entre nós escritores, mas estamos falando disso publicamente há trinta anos. Nem todo escritor está interessado em leitura”, conta Colasanti. Ela compara a transmissão da leitura a um transplante de um órgão vital. “Tem que fidelizar o leitor, porque a criança para de ler quando entra na adolescência”.

Ernani emenda que não se preocupa com o que a criança vai entender, mas essa frase está longe da indiferença. “Entender um mito racionalmente é um pouco difícil”. Exemplifica: gosta da cena da Rapunzel na janela do quarto, jogando os cabelos para baixo, a espera do resgate. “Uma visão realista disso não faz sentido. As imagens ficam com a gente, o significado varia com o leitor. Mensagem é com o correio, não com a literatura”.

Mariana Sanchez pergunta aos convidados como foi a experiência deles com a tradução. “Tentei  ler Dom Quixote em espanhol, mesmo com dicionário não consegui”, responde Ssó. Insatisfeito com as traduções que encontrou, propôs o trabalho, que foi aceito pela Companhia das Letras. “Eu mesmo queria ler o livro tranquilamente”.

Marina Colasanti trabalhou na tradução de Pinóquio, e reclamou que as versões adaptadas traíram a original – em especial a animada feita pela Disney. “O original tinha roupa de papel estampado, sapato de casca de árvore, miolo de pão no chapéu”. Para ela, o significado não deve ser alterado.