Curitiba, 16 de agosto de 2013
A região do bairro São Francisco, logo ao
norte do centro da Curitiba, pode ser vista como um encontro de pluralidades.
Desde a famosa escultura do chafariz – vulgarmente chamado cavalo babão – ao relógio
das flores, as ruas que servem de calçada para as barracas da feira dominical
do Largo da Ordem (outra denominação
comum do citado bairro), são universos postos lado a lado, e basta atravessar a
rua para ir de um a outro.
Em meio a esta geografia, realçada pelo
contraste entre construções novas conservando algum passado e detalhes que por
vezes são novidades até para os habitantes da metrópole, um palácio hospeda por
três noites um evento cujo objetivo parte de uma das invenções mais antigas e
atuais da humanidade: o livro.
Nos cartazes colocados ao longo da Sociedade
Garibaldi, há desenhos de livros empilhados, em cujas laterais lê-se “Litercultura:
toda forma de leitura vale a pena”. O evento teve sua pré-estreia em abril de
2013, com a vinda de John Maxwell Coetzee, em palestra no Teatro Fernanda
Montenegro. De 16 a 18 de agosto, palestras, oficinas e leituras de poemas,
cinema e grafitti proporcionam aos participantes momentos para diálogo sobre o
ato da leitura.
Em um salão no andar de cima da Sociedade
Garibaldi, foi montado um auditório, a frente do qual estavam cada vez menos
cadeiras vazias e um público gradativamente maior e conversador. A programação
era mostrada em uma tela, mas eis que o projetor é desligado, a disposição destas
imagens parada, as vozes da plateia cessando lentamente, os olhares direcionados
a mulher que vai ao microfone.
A curadora Manoela Leão faz as boas-vindas “neste
que é o primeiro capítulo de uma história”. Breves palavras comentando sobre a
já mencionada pré-estreia do festival, ela cede a vez ao também curador Mario Hélio Gomes. Ele fala que
a vantagem de se apresentar um grande escritor é não precisar apresenta-lo, em
referência ao autor que lá esteve para a conferência de abertura. Entre os
muitos prazeres da leitura, cita a produção de Alberto Manguel, e o apresenta ao
público.
Manguel vai até o palco, passos calmos como a
voz, e começa se desculpando bem-humoradamente por não falar português, e sim
em castelhano, por ter certa arrogância dos ‘hermanos’. Agradece pelo convite,
e lança a pergunta-chave da sessão que ministra: ‘Pode a literatura nos ajudar
a construir u mundo melhor?”.
O autor de Uma História da Leitura e A Cidade
das Palavras prossegue com o ousado questionamento de forma tranquila, remetendo
frequentemente a comparações com jardins e paraíso, associando-os a prática da
leitura. Alegorias acompanhadas por citações a Seneca e Platão, mas de forma
compassada, sem auras de intelectualismos ou puro despejo de informação.
Ele emenda as citações como quem conta uma
história. Esta pode ser associada diretamente a prática da leitura quando
Manguel diz que ‘ser leitor é quase uma obrigação de memória’, realçando o
poder de documentação e análise dos livros, pois ‘necessitamos testemunhas’. A
esta frase, adiciona-se que ‘a memória cívica é sempre pobre’, não devendo ficar
em monumentos municipais; e sim registrada, pois contém o que o escritor chamou
de ‘voz das vítimas’.
Tais argumentos vêm após menções a história
mundial, com seus ditadores e períodos turbulentos, embora Manguel relembre que
países auto proclamados democráticos não está livre de tais episódios – a corrupção
e abuso de poder entre causas destes. Uma indignação nítida e sutil, pronunciada
após anos de estudo e leitura.
A partir da palestra de Alberto Manguel,
pode-se associar a leitura à responsabilidade social, como fator determinante para
preservação da memória e estudo do que pode ser feito para responder a pergunta
norteadora da primeira sessão do Litercultura. Um prefácio no qual as palavras
saltam dos livros, porque toda forma de leitura vale a pena.