Manhã de quinta-feira, 24 de outubro de 2013.
No quarto dia da Flim, Festa Literária do Medianeira, o salão nobre deste
Colégio abrigou uma conversa entre dois narradores da capital paranaense, os
jornalistas José Carlos Fernandes e Mariana Sanchez. Letícia Magalhães,
mediadora desta sessão, menciona a escritora curitibana Teresa Urban, que
preferia ser chamada de jornalista, pois embora autora de livros cujo conteúdo
esbarrou na ficção, considerava-se mais jornalista do que propriamente
escritora; e comenta também sobe a palestra da noite anterior, em que a
igualmente jornalista Eliane Brum afirmou que há realidades que só a ficção
suporta.
No cinema a fronteira entre ficção e documentário
tornou-se difusa, diz Mariana Sanchez, e na literatura há um movimento
semelhante. Narrar é da natureza humana, ninguém chega em casa ou em uma roda
de amigos sem ter o que contar. Especificamente sobre a literatura, Sanchez
comenta sobre o suposto ‘não servir para nada’ em torno dela, um raciocínio em
torno da literatura por sua aparente falta de utilidade prática – um não servir
para nada que é fundamental, de acordo com a jornalista, afirmando que a
literatura amplia o mundo para a subjetividade. É entrar em contato com uma
experiência alheia, confronto com as visões de outros, diz.
Maior especialista de determinado assunto por
uma hora, eis o jornalista, descreve José Carlos Fernandes. O contato com a
realidade vicia, ele conta, é como se estivesse sempre em busca da próxima
história a ser contada; uma realidade mais fascinante que a ficção, pois ninguém
imagina que um determinado fato tenha acontecido. Fernandes menciona a história
de uma mulher que ele conheceu em uma favela, cuja prole é formada por 24
filhos. Em contato com profissionais da área médica, Fernandes não teve notícia
de que 24 gravidezes fossem impossíveis, mas essa história que não consta na
literatura médica existe. Mencionando as personagens. Afirma que lemos para
encontrar pessoas em profundidade, cujas camadas são descobertas durante este
processo – algo que vale também na ficção, menciona Capitu e Anna Karienina, de
quem se descobre as razões de adultério ao ler suas histórias (acreditando na
hipótese de Capitu ter traído Bentinho, este merecendo, se explica Fernandes).
Letícia Magalhães pergunta a Mariana Sanchez
sobre o cinema brasileiro, muitas vezes julgado desinteressante pelo público,
parte disso pela temática favela/pobreza. Há extremos, responde Sanchez, pois
alguns diretores vêm de classes econômicas abastadas, e um oposto extremo é
essa parcela da realidade retratada nas telas, ainda que de maneira exótica. Mariana
faz uma breve comparação entre os cinemas brasileiros e argentinos, não em
termos de conteúdo, mas de cultura – os ‘hermanos’ possuem certa tradição de ir
ao cinema para assistir a produção nacional, algo que nosso Brasil perdeu um
pouco.
Curitiba tem exemplo disso, pois houve uma
redução no número de cinemas de rua, e mesmo com salas dentro de shoppings o
público não é o mesmo, numérica e culturalmente. Devemos procurar o que
gostamos neste universo infinito do cinema, afirma Mariana, lembrando que
festivais dedicados a sétima arte tornaram-se mais comuns e acessíveis, por
vezes sem cobrança de ingresso.
José Carlos Fernandes menciona uma frase de
Steve Backes, que afirmou que nós sabemos mais sobre o imaginário
norte-americano do que sobre o brasileiro, algo que se deu, em parte, por não
ter existido uma construção do cinema daqui. Além disso, não é apenas a
experiência da sala escura ou quaisquer possíveis rituais em torno do cinema,
mas as narrações por meio das imagens amplificadas possibilitam uma compreensão
de como nós somos, algo em andamento, ele conta.
Quanto a coluna que mantém na Gazeta do Povo,
na qual Curitiba é narrada por pessoas cujas palavras não seriam amplificadas
por manchetes, sua origem veio, em parte, de um dado de uma pesquisa do jornal,
apontando afastamento de leitores por conta de notícias sobre violência.
Fernandes cita Susan Sontag – é impossível nos sentirmos insensíveis perante o
mundo, mas pode existir um sentimento de impotência frente a sua face violenta.
Há gente interessante em todos os lugares, afirma José Carlos, convicto de que
todo mundo tem uma história para contar; e ao ouvir e contar as narrações de
Curitiba por seus habitantes mapeia-se afetiva e simbolicamente a cidade, para
motivar pessoas a voltarem para ruas e calçadas, pois, afirma, é nelas que a
vida acontece.