domingo, 6 de outubro de 2013

Anônima Gentileza

O centro de Curitiba, esta cidade dentro da capital do Estado. Suas ruas e praças batizadas em referencia a Marechal Floriano Peixoto, Barão do Rio Branco, XV de Novembro, Voluntários da Pátria, Tiradentes, e outras personagens ou datas julgadas importantes devido ao legado de distante época, reconstituída por esparsos entusiastas da história local e solenemente ignorada por cidadãos que cruzam avenidas sem se preocuparem com seu nome ou origem.

Saindo a pé da Praça Rui Barbosa, uma espécie de terminal de ponto de ônibus a céu aberto, em direção a Praça Osório, marcada pelo chafariz e por ser ponto de barracas de feiras de inverno ou artesanais, anda-se pela Senador Alencar Guimarães, cortada pela Emiliano Pernetta. O corte se resume a uma faixa de pedestres, atravessada por velozes veículos motorizados enquanto os caminhantes aguardam (ou não) a sua vez prostrados no fim das calçadas.

Um homem, de idade entre vinte a trinta anos, está parado ao lado do semáforo, e tem a atenção roubada do trânsito por algo que lhe é encostado suavemente no braço esquerdo. Olha a fonte do toque, é uma fina bengala de plástico, manejada por um senhor com visíveis quarenta e tantos anos. Este pede ao jovem auxílio para cruzar a ruela, que lhe atende. O sinal enverdece, o rapaz caminha lentamente segurando o senhor pelo braço, e gentilmente pergunta-lhe o nome. “Meu nome não importa”, resmunga. Desistindo do diálogo, informa ao cidadão que chegaram ao outro lado da rua, ao que o homem de bengala na mão agradece, e desaparece na multidão, tão anônimo e discreto quanto surgira.

A mencionada Praça Osório cruza diretamente com a Avenida XV de Novembro, referência por concentrar cafeterias, lanchonetes, bancos, lojas de calçados, de roupas, estabelecimentos vinculados a cultura e a ensino - o Teatro Guaíra próximo a Reitoria da Universidade Federal, e o imponente prédio onde outrora funcionou o shopping Garcez, hoje Campus da Facinter, cada um em uma ‘ponta’ da rua XV, servindo de referência – e outros serviços oferecidos ao habitante curitibano. Não faz mal não saber o nome exato de um lugar, afinal, “me encontre na frente daquele bar dos toldos roxos”, “na entrada da galeria perto do café”, “pega aquela rua que sobe para a Biblioteca”, “o tal prédio fica em frente ao cavalo babão no Largo, sabe”.

Talvez se saiba. Um humorista afirmou certa vez que o Brasil é um país onde todo mundo fala errado mas todo mundo se entende. Adaptando parcialmente a zombaria, por aqui nem todo mundo sabe o nome da rua pela qual anda mas sabe aonde quer chegar.  Dependendo do caso, singelos “com licença moço, esse ônibus vai para o centro?”, “moça qual o nome dessa rua?” servem para evitar problemas de localização. Se por acaso quem perguntar estiver diante de um excessivamente introvertido, mal-humorado ou puro indisposto cidadão, este pode nem falar, mas apontar o nome da rua em uma placa ou parede próxima.

O que serve, ainda que duas quadras a frente, uma a direita e uma última a esquerda seja necessária nova pergunta. Uma olhada em um pedaço de papel ou anotação no celular na qual o endereço de destino foi registrado, apenas para certificar-se de que se está em frente a ele. Os olhos passeiam em busca do nome e número do destino, com possibilidades de encontrar mais do que se procura.

Um exemplo: na região do Largo da Ordem, há uma quadra cujos lados são duas ruas inclinadas, na qual está uma construção antiga, que pode ser vista a distância, das quadras em declive perto da que abriga a referida construção, de tons amarelados, com altos portões de ferro, chamada Sociedade Garibaldi. Saindo do Memorial de Curitiba, andar duas quadras em aclive em direção a esta sociedade é um entre muitos caminhos para nela chegar.

Precisamente entre o bloco da antiga Garibaldi e o anterior a ela, fazendo-se o caminho descrito no parágrafo anterior, há uma ruela pela qual passam inúmeros carros, e a pressa de seus motoristas força os pedestres a esperar passagem, especialmente pela falta de semáforo neste trecho. Eis que durante um final de tarde, uma moça empurrando um carrinho de bebê espera uma folga dos carros para ir pela quadra da construção; ela dá um passo a frente, mas recua frente ao tráfego.


Um homem, na frente desta mulher, porém na direção oposta a ela, nota o aguardo desta. Ele desce pela ruela, um carro se aproxima de onde ele está,  o homem levanta a mão em sina de pare, forçando o motorista a um freio, e com a outra a mão acena “venha” para a mulher, que enfim caminha ladeira acima. Assim que ela pisa na quadra de cima, o homem atravessa a rua e segue abaixo. Três rapazes na sacada de um restaurante vermelho, na esquina do bloco vizinho ao da Sociedade Garibaldi, aplaudem e gritam “isso aí, parabéns” e pronunciam um nome que não é tão audível em meio ao som dos carros trafegando, mas ouve-se ‘inho’ ao final. Seria Joãozinho, Luisinho, Ricardinho, o nome do homem que facilitou o trajeto da mulher que empurrava o carrinho de bebê? Não há como saber. Ambos desaparecem em seus caminhos, sem sequer perguntarem-se os nomes. O que não impediu uma anônima gentileza.