O centro de Curitiba, esta cidade dentro da
capital do Estado. Suas ruas e praças batizadas em referencia a Marechal
Floriano Peixoto, Barão do Rio Branco, XV de Novembro, Voluntários da Pátria,
Tiradentes, e outras personagens ou datas julgadas importantes devido ao legado
de distante época, reconstituída por esparsos entusiastas da história local e
solenemente ignorada por cidadãos que cruzam avenidas sem se preocuparem com
seu nome ou origem.
Saindo a pé da Praça Rui Barbosa, uma espécie
de terminal de ponto de ônibus a céu aberto, em direção a Praça Osório, marcada
pelo chafariz e por ser ponto de barracas de feiras de inverno ou artesanais,
anda-se pela Senador Alencar Guimarães, cortada pela Emiliano Pernetta. O corte
se resume a uma faixa de pedestres, atravessada por velozes veículos
motorizados enquanto os caminhantes aguardam (ou não) a sua vez prostrados no
fim das calçadas.
Um homem, de idade entre vinte a trinta anos,
está parado ao lado do semáforo, e tem a atenção roubada do trânsito por algo
que lhe é encostado suavemente no braço esquerdo. Olha a fonte do toque, é uma
fina bengala de plástico, manejada por um senhor com visíveis quarenta e tantos
anos. Este pede ao jovem auxílio para cruzar a ruela, que lhe atende. O sinal
enverdece, o rapaz caminha lentamente segurando o senhor pelo braço, e
gentilmente pergunta-lhe o nome. “Meu nome não importa”, resmunga. Desistindo
do diálogo, informa ao cidadão que chegaram ao outro lado da rua, ao que o
homem de bengala na mão agradece, e desaparece na multidão, tão anônimo e
discreto quanto surgira.
A mencionada Praça Osório cruza diretamente
com a Avenida XV de Novembro, referência por concentrar cafeterias,
lanchonetes, bancos, lojas de calçados, de roupas, estabelecimentos vinculados
a cultura e a ensino - o Teatro Guaíra próximo a Reitoria da Universidade
Federal, e o imponente prédio onde outrora funcionou o shopping Garcez, hoje
Campus da Facinter, cada um em uma ‘ponta’ da rua XV, servindo de referência –
e outros serviços oferecidos ao habitante curitibano. Não faz mal não saber o
nome exato de um lugar, afinal, “me encontre na frente daquele bar dos toldos
roxos”, “na entrada da galeria perto do café”, “pega aquela rua que sobe para a
Biblioteca”, “o tal prédio fica em frente ao cavalo babão no Largo, sabe”.
Talvez se saiba. Um humorista afirmou certa
vez que o Brasil é um país onde todo mundo fala errado mas todo mundo se
entende. Adaptando parcialmente a zombaria, por aqui nem todo mundo sabe o nome
da rua pela qual anda mas sabe aonde quer chegar. Dependendo do caso, singelos “com licença
moço, esse ônibus vai para o centro?”, “moça qual o nome dessa rua?” servem
para evitar problemas de localização. Se por acaso quem perguntar estiver
diante de um excessivamente introvertido, mal-humorado ou puro indisposto
cidadão, este pode nem falar, mas apontar o nome da rua em uma placa ou parede
próxima.
O que serve, ainda que duas quadras a frente,
uma a direita e uma última a esquerda seja necessária nova pergunta. Uma olhada
em um pedaço de papel ou anotação no celular na qual o endereço de destino foi
registrado, apenas para certificar-se de que se está em frente a ele. Os olhos
passeiam em busca do nome e número do destino, com possibilidades de encontrar
mais do que se procura.
Um exemplo: na região do Largo da Ordem, há
uma quadra cujos lados são duas ruas inclinadas, na qual está uma construção
antiga, que pode ser vista a distância, das quadras em declive perto da que
abriga a referida construção, de tons amarelados, com altos portões de ferro, chamada
Sociedade Garibaldi. Saindo do Memorial de Curitiba, andar duas quadras em
aclive em direção a esta sociedade é um entre muitos caminhos para nela chegar.
Precisamente entre o bloco da antiga
Garibaldi e o anterior a ela, fazendo-se o caminho descrito no parágrafo
anterior, há uma ruela pela qual passam inúmeros carros, e a pressa de seus
motoristas força os pedestres a esperar passagem, especialmente pela falta de
semáforo neste trecho. Eis que durante um final de tarde, uma moça empurrando
um carrinho de bebê espera uma folga dos carros para ir pela quadra da
construção; ela dá um passo a frente, mas recua frente ao tráfego.
Um homem, na frente desta mulher, porém na
direção oposta a ela, nota o aguardo desta. Ele desce pela ruela, um carro se
aproxima de onde ele está, o homem
levanta a mão em sina de pare, forçando o motorista a um freio, e com a outra a
mão acena “venha” para a mulher, que enfim caminha ladeira acima. Assim que ela
pisa na quadra de cima, o homem atravessa a rua e segue abaixo. Três rapazes na
sacada de um restaurante vermelho, na esquina do bloco vizinho ao da Sociedade
Garibaldi, aplaudem e gritam “isso aí, parabéns” e pronunciam um nome que não é
tão audível em meio ao som dos carros trafegando, mas ouve-se ‘inho’ ao final.
Seria Joãozinho, Luisinho, Ricardinho, o nome do homem que facilitou o trajeto
da mulher que empurrava o carrinho de bebê? Não há como saber. Ambos
desaparecem em seus caminhos, sem sequer perguntarem-se os nomes. O que não
impediu uma anônima gentileza.