Quarta-feira, 18 de setembro em Curitiba. A
Semana Literária Sesc, ocorrendo simultaneamente a XI Feira Universitária UFPR,
abriu as 9 horas, e gradativamente mais pessoas adentraram a tenda montada na
Praça Santos Andrade. Funcionários dos estandes de livrarias e editoras ajeitam
livros nos balcões, obras literárias lado a lado com grossos volumes
acadêmicos.
No auditório, montado na escadaria do campus
central da UFPR, mais uma mesa-redonda começa. O primeiro a falar é Rogério
Pereira, mediador, que apresenta o tema “Leituras Cruzadas”, comentando sobre
leituras de materiais relacionados à literatura ou não, o que ocasiona uma
divisão entre leitores ‘literários’ e ‘pragmáticos’, que leem material
essencialmente técnico. “O que é decisivo na construção do leitor?” questiona aos
dois convidados.
“Geralmente se fala sobre o que transcende a
literatura, mas quero pensar o oposto, no que a antecede”, diz Lourival
Holanda. Para ele, na infância se inicia a percepção não apenas da leitura, mas
da vida em si. “Graciliano Ramos escreveu Infância e só depois os outros
livros, como se quisesse se livrar disto. A criança vê o adulto como mistério,
mas o adulto também vê a criança com mistério”. Em tom de deslumbramento, ele
afirma que em meio a esta inversão de papéis há ocasiões em que “a gente rouba
da infância o que precisa para escrever”.
Marcelo Coelho, segundo convidado deste
debate, aborda os livros considerados infantis de maneira crítica: “tem livro
que não é para ler, é para assoprar, ou virar boia, parece brinquedo, e a
ilustração é tudo”. Coelho conta algo que desaprova. “Muitos autores de livro
infantil falam em tom de voz de criança quando estão falando com criança, como
se subestimassem ela”. Igualmente crítico se mostra ao discorrer sobre o
encontro leitor-autor: “não é a função do escritor encontrar seu leitor, se vai
encontrar leitor não está fazendo literatura. Fazer literário é importante para
si, a primeira pessoa com quem o autor se comunica é a si mesmo, o resto é
mercado. Mercado de professor que lê livro infantil e empurra na criança,
empurro-terapia literária”.
Mas “como o leitor vai encontrar a leitura?”
questiona o mediador Rogério Pereira. “A escola deve estar preocupada com a
formação”, adverte Lourival Holanda. De acordo com ele, o que a criança
realmente aprende nós não sabemos. Emenda: “é preciso desenvolver o imaginário
da criança, a autonomia de pensamento desde cedo. A escola ainda está vinculada
a formação e consolação”.
“Existe gente que gosta de ler”, afirma
Marcelo Coelho, “mas para muitas pessoas ler não é fundamental”. A frase
poderia soar pessimista, mas foi pronunciada naturalmente, sem lamento. Ele
conta uma história pessoal, diz que quando estava em idade escolar recebia
muitos estímulos para jogar futebol, mas não conseguia gostar do esporte – e
para ele a situação é semelhante em relação a leitura. “O problema é preencher
a imaginação da criança, nenhuma criança nasce com imaginação fulgurante”.
“Não é ser ou não essencial, depende do que
se entende por leitura”, retruca Holanda. Ele relaciona escrita e leitura à
civilização – “Não existiria o mundo se não fosse Ilíada, Odisseia, Bíblia,
Alcorão”, afirma, pois considera a leitura fundamental para decodificar os
acontecimentos do mundo. Um processo que deve ser acompanhado pelo que Holanda
chama deslumbramento, como ‘reverência’ a descoberta por meio da leitura.
Rogério Pereira indaga sobre esta capacidade
de interpretar e questionar o mundo, dilatada pela leitura. “Talvez quem não
goste de ler não se sinta bem frente ao arsenal de conhecimento da leitura”,
responde Marcelo Coelho. Ele argumenta que alguns podem ter uma relação
instrumental com a leitura, preferindo informações técnicas ao invés de obras
literárias, as quais atribui uma possibilidade extra: “alguns preferem entender
como uma coisa funciona do que entender como uma pessoa funciona, faz parte da
variedade humana”. Quanto a Lourival Holanda, considera a leitura importante
para desenvolver o potencial do imaginário, “a literatura faz [isso] melhor que
outros meios. A literatura não tem discurso assertivo, não tem certezas, que
nos envenenam”.
E a leitura em períodos específicos ou
cronológicos, existe? É com tal indagação que o mediador prossegue. O primeiro
a responder é Coelho, dizendo que há quem tenha “um pouco de medo de ler um
livro realmente bom, um Fausto de Goethe ou a Divina Comédia de Dante
Alighieri. Tem livros que caem na mão [do indivíduo] com 18 anos e parece a idade
ideal”. Uma vez vencido tal medo, o leitor conhece o porquê de determinada obra
manter a relevância.
Seu colega Lourival Holanda vê de outro
ângulo. Chama parcela dos leitores de ‘utilitários’, por desejarem o que chama
de domínio de área, não em tom crítico, mas por ter, aparentemente, outro foco.
“Na literatura não há domínio, literatura é ‘despossessão’. A compreensão não
nos cabe”. Despossessão através da literatura, e desenvolvimento do imaginário
por meio dela, podem ser resumidos por uma palavra do otimista Lourival:
transubstanciação. “Isso pode começar na infância, literatura é aposta”.
Marcelo Coelho diz que “o não entender faz
parte. As vezes a literatura faz a gente reconhecer algo que sabia, mas não
sabia que sabia. Explica, mas ultrapassa a capacidade de compreensão”. Mas não
impede a aproximação.