Tarde de céu aberto, clima quente, sentia
como se os raios solares insistissem em atingir sua cabeça. Improvisava uma
proteção com a mão direita, encostada horizontalmente acima dos olhos. Andava a passos lentos, tinha a tarde livre,
mas parecia competir um espaço na calçada com pessoas que iam de um canto a
outro.
Mesmo tendo que encarar o que lhe parecia uma
multidão e um clima que não lhe agradava, sentiu que valeu a pena ter saído de
casa. O que tinha visto, no primeiro contato com o que lhe fez sair do conforto
do lar, já era recompensador, e, melhor, era só um começo.
Soubera da feira graças a matérias de jornal,
lido no dia anterior. Estava de folga naquela semana, poderia se dar ao luxo de
descansar sem se preocupar com o trabalho no dia seguinte. Mas independente do
tempo livre que tinha, o lugar onde mais ficava era o jardim.
Não se lembrava da primeira planta que viu,
mas a primeira que plantou estava enraizada em sua memória: uma semente de
girassol. Nos seus oito anos, via a mãe trocando flores e vasos de lugar, o pai
carregando sacos de terra de cinco quilos e deixando algumas ferramentas no
chão, presenteando-a com algum item a mais para o jardim, dizia que flor nunca
era demais.
As vezes, ficava perto, só olhando, em silêncio.
Em outras, levava um vaso para dentro de casa, ou passava a tesoura ou qualquer
outra ferramenta que a mãe precisasse. Não entendia direito, por que ela troca
tanta terra e deixa esse monte de flor no mesmo lugar? Ela respondia, as
plantas precisam de cuidado, terra nova, água, por em um vaso maior, mas
continuava sem entender aquilo. Era mais fácil ficar observando.
Um dia, enfim, a mãe lhe perguntou se queria
plantar uma semente. Sem saber bem o que fazer, pegou uma semente maior que as
demais – de girassol, aprendera. Foi a
primeira que viu, nem sabia no que aquilo se transformaria, mas gostou da
ideia: cavar um buraco na terra, por a semente, cobrir com cuidado, e o
primeiro passo já estava feito. Molhar o local – aprendera posteriormente o
verbo regar -, e não descuidar após o nascimento.
Lentamente, o girassol nasceu. Não recordava
direito quanto tempo levou, se foram quatro ou cinco meses, mas demorou. A
espera valeu a pena, a planta crescera forte, precisava de duas réguas do material
do colégio para medir a altura dela. E todo dia a criança cuidava da flor como
se fosse um membro da família.
Porém, foi um membro que ficou por pouco
tempo. Em duas semanas a flor tinha murchado, ficando com a cabeça caída e as
folhas secas, mesmo regadas, e por mais que a mãe contasse que cada flor tem
seu ciclo de vida e suas condições para crescer e manter-se firme, a criança
ficou inconsolável. Via a mãe cuidando do jardim, mas levou algumas muitas
semanas até ter ânimo de plantar outra flor – mas queria uma que durasse mais
tempo.
Lembrava-se deste episódio de infância
enquanto via os girassóis expostos em vasos na primeira tenda da feira. Alguns
mais altos, outros recém-saídos da terra, e muitos pacotes de sementes a venda,
junto com os já crescidos. Quando criou o próprio jardim, em seu lar, conseguiu
criar um exemplar desta flor – e durou mais do que duas semanas, tinha até
fotografado a evolução dela. Tivera só essa e bastava. Com o desabrochar dos
anos, não foi somente o gosto pela jardinagem que se desenvolveu.
Tinha criado um hábito um pouco estranho para
alguns, mas que passou a caracterizar seu jardim. Vivia cultivando plantas
escuras. Violetas, tulipas, petúnias e todas as outras flores em suas cores
mais escuras possíveis. Se uma espécie pudesse ter folhas nessas tonalidades,
buscava um exemplar para a coleção.
Até os vasos eram escuros. Comprava vasos de cerâmica,
e sempre pedia no tom mais escuro possível, um marrom que, embora não se
aproximasse do tom da terra, era o suficiente para combinar com a coloração de
suas ‘filhas florais’.
A mãe levou um choque quando viu aquele
jardim obscuro. O pai perguntou se estava bem, achou que podia estar triste com
alguma coisa e descontou tudo na plantação. Foi a vez da criança, agora adulta
e dona do próprio quintal, explicar que as plantas negras estavam mais próximas
de si do que as claras. Uma resposta que não ajudou, pois outros itens da casa
também tinham tons escuros – do mogno da estante a fotografia preto-e-branco da
sala e o computador preto.
Ganhou uma rosa branca do pai uma vez, mas
ficou em segundo plano – parecia que só tinha mãos para cultivar ‘aquelas
coisas pálidas’. Tão lentamente quanto o crescimento de uma planta, a família e
os amigos aceitaram – mesmo sem nunca entender tal fascínio enegrecido.
Enquanto procurava algo pudesse ser
adicionado a sua coleção, via que as demais tendas da feira tinham flores de
todo tipo, e algumas estavam em um salão a parte, supunha ser uma competição ou
exposição especial, pois na base do vaso podiam-se ver placas identificando
donos e detalhes do plantio. Muitas pessoas queriam olhar as flores de perto,
tirar fotos, conversas começavam ao admirar as plantas e grupos se formavam ao
seu redor.
Não muito longe das mais disputadas, tinha
encontrado. Parecia esquecida em um canto, talvez não despertasse o interesse
da maioria do público. Mas estava lá. Em cima de uma mesa, perto da entrada, em
um vaso de barro, o que realmente lhe atraiu.
Uma orquídea. Os fios do meio da flor,
amarelos, quase escondidos pela cor das folhas, tão escuras quantos seus olhos.
Aproximou-se, pôde sentir o suave perfume emanado dela. Em meio aos
apreciadores da aquarela composta pelas demais plantas, nunca entendeu
completamente o porque daquela atração. Mas sentia, mesmo sem saber explicar,
que buscava a delicadeza das pétalas escuras.
PS.: originalmente publicado em