quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Uma safra literária de Tulipas Negras

Curitiba passou por uma costumeira mudança rápida de temperatura, para desconforto de seus habitantes humanos. Das tardes ensolaradas da semana anterior, ficou a saudade, pois a noite daquele seis de agosto de 2013 estava fria.

Indiferente as queixas sobre o clima, uma parcela em especial da população contemplava a cidade. Não se queixava, mas eram nítidas as variações de seus humores. Afinal, as árvores e flores expressam suas reações por meio da mudança de cor ou ausência de suas folhas.

Mas naquela noite, uma espécie muitíssimo peculiar de planta desabrochou. E tão particular quanto seu tempo de plantio, são suas folhas e o solo no qual ela se desenvolve.

No hall de entrada do Museu Guido Viaro, um homem chega com uma mochila nas costas e uma caixa de papelão em mãos. Ele larga a mochila atrás do balcão, logo a frente da porta principal, põe a caixa em cima deste, abre-a e tira papéis dela. “Logo o público chega”, ouve-se dele, e olhando mais de perto, nota-se que os papéis que antes estavam na caixa são na verdade livros.

“Conto não vende? Ótimo. Só publicamos contos.” É este o mote da Tulipas Negras Editora. Criada por Marcio Renato dos Santos (o homem a arrumar os contos no balcão) em 2012, a editora publica livros-conto, que cabem no bolso de um paletó ou jaqueta.

Tanto autores novos quanto consagrados figuram entre aqueles cujos contos foram distribuídos gratuitamente pela editora, entre eles Luiz Rebinski, Fabio Campana, Nilson Monteiro e Guido Viaro.


Esta foi a quarta edição, ou ‘fornada’, nas palavras de divulgação da editora. Os contos entregues foram “Encontros e Desencontros”, de Marisa Vilella; “4 Contos”, de Oneide Diedrich; “Walter”, de Paulo Venturelli;  e “O Velho Poeta”, de Dalton Trevisan. Os três primeiros estavam no evento e contaram um pouco da experiência da escrita, e depois autografaram os livros.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Pétalas Escuras

Tarde de céu aberto, clima quente, sentia como se os raios solares insistissem em atingir sua cabeça. Improvisava uma proteção com a mão direita, encostada horizontalmente acima dos olhos.  Andava a passos lentos, tinha a tarde livre, mas parecia competir um espaço na calçada com pessoas que iam de um canto a outro.

Mesmo tendo que encarar o que lhe parecia uma multidão e um clima que não lhe agradava, sentiu que valeu a pena ter saído de casa. O que tinha visto, no primeiro contato com o que lhe fez sair do conforto do lar, já era recompensador, e, melhor, era só um começo.

Soubera da feira graças a matérias de jornal, lido no dia anterior. Estava de folga naquela semana, poderia se dar ao luxo de descansar sem se preocupar com o trabalho no dia seguinte. Mas independente do tempo livre que tinha, o lugar onde mais ficava era o jardim.

Não se lembrava da primeira planta que viu, mas a primeira que plantou estava enraizada em sua memória: uma semente de girassol. Nos seus oito anos, via a mãe trocando flores e vasos de lugar, o pai carregando sacos de terra de cinco quilos e deixando algumas ferramentas no chão, presenteando-a com algum item a mais para o jardim, dizia que flor nunca era demais.

As vezes, ficava perto, só olhando, em silêncio. Em outras, levava um vaso para dentro de casa, ou passava a tesoura ou qualquer outra ferramenta que a mãe precisasse. Não entendia direito, por que ela troca tanta terra e deixa esse monte de flor no mesmo lugar? Ela respondia, as plantas precisam de cuidado, terra nova, água, por em um vaso maior, mas continuava sem entender aquilo. Era mais fácil ficar observando.

Um dia, enfim, a mãe lhe perguntou se queria plantar uma semente. Sem saber bem o que fazer, pegou uma semente maior que as demais – de girassol, aprendera.  Foi a primeira que viu, nem sabia no que aquilo se transformaria, mas gostou da ideia: cavar um buraco na terra, por a semente, cobrir com cuidado, e o primeiro passo já estava feito. Molhar o local – aprendera posteriormente o verbo regar -, e não descuidar após o nascimento.

Lentamente, o girassol nasceu. Não recordava direito quanto tempo levou, se foram quatro ou cinco meses, mas demorou. A espera valeu a pena, a planta crescera forte, precisava de duas réguas do material do colégio para medir a altura dela. E todo dia a criança cuidava da flor como se fosse um membro da família.

Porém, foi um membro que ficou por pouco tempo. Em duas semanas a flor tinha murchado, ficando com a cabeça caída e as folhas secas, mesmo regadas, e por mais que a mãe contasse que cada flor tem seu ciclo de vida e suas condições para crescer e manter-se firme, a criança ficou inconsolável. Via a mãe cuidando do jardim, mas levou algumas muitas semanas até ter ânimo de plantar outra flor – mas queria uma que durasse mais tempo.

Lembrava-se deste episódio de infância enquanto via os girassóis expostos em vasos na primeira tenda da feira. Alguns mais altos, outros recém-saídos da terra, e muitos pacotes de sementes a venda, junto com os já crescidos. Quando criou o próprio jardim, em seu lar, conseguiu criar um exemplar desta flor – e durou mais do que duas semanas, tinha até fotografado a evolução dela. Tivera só essa e bastava. Com o desabrochar dos anos, não foi somente o gosto pela jardinagem que se desenvolveu.

Tinha criado um hábito um pouco estranho para alguns, mas que passou a caracterizar seu jardim. Vivia cultivando plantas escuras. Violetas, tulipas, petúnias e todas as outras flores em suas cores mais escuras possíveis. Se uma espécie pudesse ter folhas nessas tonalidades, buscava um exemplar para a coleção.

Até os vasos eram escuros. Comprava vasos de cerâmica, e sempre pedia no tom mais escuro possível, um marrom que, embora não se aproximasse do tom da terra, era o suficiente para combinar com a coloração de suas ‘filhas florais’.

A mãe levou um choque quando viu aquele jardim obscuro. O pai perguntou se estava bem, achou que podia estar triste com alguma coisa e descontou tudo na plantação. Foi a vez da criança, agora adulta e dona do próprio quintal, explicar que as plantas negras estavam mais próximas de si do que as claras. Uma resposta que não ajudou, pois outros itens da casa também tinham tons escuros – do mogno da estante a fotografia preto-e-branco da sala e o computador preto.

Ganhou uma rosa branca do pai uma vez, mas ficou em segundo plano – parecia que só tinha mãos para cultivar ‘aquelas coisas pálidas’. Tão lentamente quanto o crescimento de uma planta, a família e os amigos aceitaram – mesmo sem nunca entender tal fascínio enegrecido.

Enquanto procurava algo pudesse ser adicionado a sua coleção, via que as demais tendas da feira tinham flores de todo tipo, e algumas estavam em um salão a parte, supunha ser uma competição ou exposição especial, pois na base do vaso podiam-se ver placas identificando donos e detalhes do plantio. Muitas pessoas queriam olhar as flores de perto, tirar fotos, conversas começavam ao admirar as plantas e grupos se formavam ao seu redor.

Não muito longe das mais disputadas, tinha encontrado. Parecia esquecida em um canto, talvez não despertasse o interesse da maioria do público. Mas estava lá. Em cima de uma mesa, perto da entrada, em um vaso de barro, o que realmente lhe atraiu.


Uma orquídea. Os fios do meio da flor, amarelos, quase escondidos pela cor das folhas, tão escuras quantos seus olhos. Aproximou-se, pôde sentir o suave perfume emanado dela. Em meio aos apreciadores da aquarela composta pelas demais plantas, nunca entendeu completamente o porque daquela atração. Mas sentia, mesmo sem saber explicar, que buscava a delicadeza das pétalas escuras. 

PS.: originalmente publicado em