segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Segundo Nascimento

Na foto do cartaz de divulgação, o semblante sério, curtos cabelos e comportados, as mãos próximas dos pés, trajes comuns sem adereços ou extravagâncias, composição visual cuja impressão pode ser de alguma rigidez ou excessiva seriedade no trato. Em um pátio interno de um colégio, uma multidão crescente e ruidosa aglomera-se frente a uma porta de um teatro, aguardando a pessoa cujo trabalho é motivo de um bate-papo.

Sem anúncios, nem escândalos com a própria presença, apresenta-se em notável discrição. Algumas vozes em volta silenciam, perante a chegada da admirada figura. Uma funcionária fala com a convidada, indica-a um corredor, informa-a de que ao final deste está o organizador do evento. Poucos minutos de espera, as portas do teatro são abertas, o público adentra. Um funcionário do colégio faz uma breve apresentação da convidada: escritora, jornalista, tais e tais prêmios, livros, pequena formalidade antes que o microfone seja passado a dela.

“Eu não tinha muita convicção disso, de ser repórter”, ela fala, tom suave e natural de voz. “Eu tinha escolhido jornalismo, nunca tive problemas nas aulas, mas acabei escolhendo porque as outras opções de faculdade não pareciam tão legais. Mas apesar disso, eu nunca tive em mim essa força, esse ideal de reportar. Só no final do curso que um professor me ensinou a importância disso”, explica. “Esse professor me ensinou que reportar é mais do que levar informação, que há casos em que você conta uma vida quando escreve”.

“É como se você se deixasse por um momento e desse a sua voz a outro”, continua. A repórter fala de tal forma que o ouvinte é embalado pela tranquilidade do que ouve. Ela emenda: “é você buscar ouvir alguém pela voz desse alguém, evitando julgamentos prévios”. Uma moça na plateia levanta a mão, e pergunta como é a relação da convidada com a escrita e a leitura, considerando que boa parcela dos trabalhos dela está relacionada a estas atividades.

“A leitura veio antes da escrita, foi como nascer de novo”, ela responde. “Fui ensinada a ler e escrever pelo meu pai, e ele aprendeu com uma senhora para quem prestava serviços. Esta senhora queria que todas as pessoas do vilarejo onde meu pai morava pudessem ler e escrever, e sempre dizia que o mundo da leitura é um mundo maravilhoso, onde você viaja pelas páginas. O meu pai aprendeu isso com ela, e eu com ele. E graças a essa senhora que nós podemos viajar pelas páginas, porque antes disso éramos cegos das letras. Foi um segundo nascimento”.


Outras perguntas foram feitas naquele curto bate-papo, uma delas sobre inspiração, em busca de compreender como a escriba exerce o ofício. Alguns ouvintes nas cadeiras da primeira fila do teatro, que estavam com blocos de papel e canetas em mãos, puseram-se a rabiscar rapidamente, para registrar com exatidão cada palavra da convidada. Porém, pouco antes da pergunta cuja resposta foi mencionada no parágrafo anterior, também haviam mãos levantadas, possíveis questões extras ou declarações de afeto. Mas quando ela falou no que denominou segundo nascimento, parcela dos que assistiam ao bate-papo julgaram ter compreendido mais do que as palavras podem explicar.