Na foto do cartaz de divulgação, o semblante
sério, curtos cabelos e comportados, as mãos próximas dos pés, trajes comuns
sem adereços ou extravagâncias, composição visual cuja impressão pode ser de
alguma rigidez ou excessiva seriedade no trato. Em um pátio interno de um
colégio, uma multidão crescente e ruidosa aglomera-se frente a uma porta de um
teatro, aguardando a pessoa cujo trabalho é motivo de um bate-papo.
Sem anúncios, nem escândalos com a própria
presença, apresenta-se em notável discrição. Algumas vozes em volta silenciam,
perante a chegada da admirada figura. Uma funcionária fala com a convidada,
indica-a um corredor, informa-a de que ao final deste está o organizador do
evento. Poucos minutos de espera, as portas do teatro são abertas, o público
adentra. Um funcionário do colégio faz uma breve apresentação da convidada:
escritora, jornalista, tais e tais prêmios, livros, pequena formalidade antes
que o microfone seja passado a dela.
“Eu não tinha muita convicção disso, de ser
repórter”, ela fala, tom suave e natural de voz. “Eu tinha escolhido
jornalismo, nunca tive problemas nas aulas, mas acabei escolhendo porque as
outras opções de faculdade não pareciam tão legais. Mas apesar disso, eu nunca
tive em mim essa força, esse ideal de reportar. Só no final do curso que um
professor me ensinou a importância disso”, explica. “Esse professor me ensinou
que reportar é mais do que levar informação, que há casos em que você conta uma
vida quando escreve”.
“É como se você se deixasse por um momento e
desse a sua voz a outro”, continua. A repórter fala de tal forma que o ouvinte é
embalado pela tranquilidade do que ouve. Ela emenda: “é você buscar ouvir
alguém pela voz desse alguém, evitando julgamentos prévios”. Uma moça na
plateia levanta a mão, e pergunta como é a relação da convidada com a escrita e
a leitura, considerando que boa parcela dos trabalhos dela está relacionada a
estas atividades.
“A leitura veio antes da escrita, foi como
nascer de novo”, ela responde. “Fui ensinada a ler e escrever pelo meu pai, e
ele aprendeu com uma senhora para quem prestava serviços. Esta senhora queria
que todas as pessoas do vilarejo onde meu pai morava pudessem ler e escrever, e
sempre dizia que o mundo da leitura é um mundo maravilhoso, onde você viaja
pelas páginas. O meu pai aprendeu isso com ela, e eu com ele. E graças a essa
senhora que nós podemos viajar pelas páginas, porque antes disso éramos cegos
das letras. Foi um segundo nascimento”.
Outras perguntas foram feitas naquele curto bate-papo,
uma delas sobre inspiração, em busca de compreender como a escriba exerce o
ofício. Alguns ouvintes nas cadeiras da primeira fila do teatro, que estavam
com blocos de papel e canetas em mãos, puseram-se a rabiscar rapidamente, para
registrar com exatidão cada palavra da convidada. Porém, pouco antes da
pergunta cuja resposta foi mencionada no parágrafo anterior, também haviam mãos
levantadas, possíveis questões extras ou declarações de afeto. Mas quando ela
falou no que denominou segundo nascimento, parcela dos que assistiam ao
bate-papo julgaram ter compreendido mais do que as palavras podem explicar.